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A universidade e as vítimas de Salazar
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Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

A universidade e as vítimas de Salazar

A longeva ditadura salazarista, de corte fascista, e sua polícia política, a temida Pide - Polícia Internacional e de Defesa do Estado deixaram, ao longo de quase quarenta anos de existência, um rastro pavoroso de crimes e violações de direitos
Tipo Opinião

Fui mais uma vez a Portugal. Adoro a terra de Almeida Garret, Eça de Queiroz e Pessoa. Seu povo e sua história. Voltei trazendo na memória e na alma saudades e lições de civilidade que muito bem poderiam ser reproduzidas por aqui. Sem grandes esforços. Vou ficar em apenas uma por hoje.

Em minhas andanças por lá fui dar com os costados na bela cidade do Porto, que ainda não conhecia. Visitante curioso, fui à centenária Universidade do Porto, uma das mais prestigiosas universidades da União Europeia. Eis que, lá chegando, deparo-me com duas placas afixadas no pórtico do imponente edifício principal, em local bem visível, como a dar as boas-vindas aos que chegam. Por meio delas a universidade prestava homenagem às vítimas da ditadura de Oliveira Salazar. Em uma é feita alusão "...aos estudantes que foram vítimas da repressão da Ditadura, entre 1926 e 1974, em virtude da sua participação cívica e política na luta pela Democracia e pela Liberdade", enquanto na outra vai estampada homenagem "... aos docentes e investigadores demitidos das universidades portuguesas pelo Estado Novo."

As placas são autoexplicativas. A longeva ditadura salazarista, de corte fascista, e sua polícia política, a temida Pide - Polícia Internacional e de Defesa do Estado deixaram, ao longo de quase quarenta anos de existência, um rastro pavoroso de crimes e violações de direitos, como de resto acontece com toda ditadura que se preza.

No Brasil não se deu coisa diferente durante os anos da ditadura militar. Por aqui também se matou e torturou. Mandatos e direitos políticos foram cassados. Pessoas foram sumariamente demitidas do serviço público.

O que impressiona, no caso português, é o esforço de se manter acesa a chama da memória das violações de direitos humanos perpetradas pelo regime de Salazar, ao contrário do que acontece por estas terras brasileiras.

Por aqui nunca acertamos contas com o passado. Os agentes do Estado que cometeram crimes em nome do regime de força que se instalou em 1964 permanecem não somente impunes como comodamente invisibilizados, por força de uma autoanistia que já valeu ao estado brasileiro duas condenações pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Há desaparecidos forçados, a subtrair às famílias o essencial direito de sepultar seus mortos e viver o luto, direito por que já se batia Antígona na obra imortal de Sófocles, escrita quatro séculos antes de Cristo. Vítimas ainda permanecem sem reparação e um manto de segredo cobre o período, em sacrifício da história. O processo justransicional segue, assim, inconcluso.

Após quatro anos de enaltecimento da ditadura e desmonte das políticas de memória, verdade e justiça patrocinados pelo último governo, ter à frente do Ministério de Direitos Humanos homem da estatura de Sílvio de Almeida é, para além de um alento, sinal inequívoco de que o tema volta a ganhar centralidade, fazendo-nos crer que o processo de justiça de transição será retomado. É ele quem afirma: "Todos os torturadores da ditadura têm de ser julgados". Alvíssaras! n

 

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