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Dom Nesi faz 100
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Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

Dom Nesi faz 100

Hoje dom Nesi é saudade e sua lembrança está gravada definitivamente na memória afetiva dos que privaram de sua amizade, dos que tiveram suas vidas transformadas por suas ações. Ele faleceu em 2003
Tipo Opinião

Eram os começos dos anos 1990. Pelas mãos do então arcebispo de Fortaleza, dom Aloísio Lorscheider, desembarcam em Fortaleza os padres italianos Alfredo Nesi e Riccardo Moretti. Vinham implantar por estas praias braço da Ópera Della Divina Provvidenza Madoninna Del Grappa, obra social cujas origens remetem à bela Florença, metrópole berço do humanismo e da renascença.

A concepção da obra pia, tornada realidade graças ao engenho criativo e à capacidade de realização do padre Giulio Facibeni, tem contornos épicos, uma história que bem merece ser contada. Vou contar.

Capelão militar, padre Facibeni foi mandado ao Monte Grappa, nos pré-Alpes venezianos, em Vêneto, na Itália, palco de intensos combates da Grande Guerra - assim era chamada a Primeira Guerra Mundial, afinal não se sabia que duas décadas depois eclodiria uma segunda conflagração, de iguais proporções planetárias. Ali prestou apoio e aconselhamento espiritual aos soldados italianos, socorreu feridos, confortou moribundos. Sob um céu coberto de fogo e balas, ao pé da estátua da Madoninna Del Grappa, toma-lhe o espírito a ideia da criação da "Ópera" de assistência à população carente.

Finda a guerra, de volta a Florença, dá vida a seu sonho. De começo muito modesto - a obra inicia por amparar a doze crianças, para logo assumir grandes dimensões. Eram tempos das guerras e suas misérias, mergulhada a Europa em severa crise. Durante a outra guerra, a segunda, chegou a atender mais de mil crianças. Serviu ainda de refúgio para judeus que sofriam a perseguição nazi-fascista. Selada a paz, a obra espraia-se pela Itália, chegando à Albânia e finalmente até nós.

No Ceará fincou raízes na Jurema, Caucaia, batizada como "Centro Sócio Educacional Sanitário Madoninna Del Grappa", com idênticos propósitos de promover a emancipação humana. Jovem advogado católico, tive a grata oportunidade de ajudar um pouco, pouquíssimo na verdade, nos trabalhos de implantação da obra. Firmei à época sólida amizade com o padre Alfredo Nesi, que enquanto teve vida esteve à frente do "Madoninna". Impressionou-me a firmeza de sua liderança, sua cultura humanística e amor aos mais humildes. "Aos pobres as melhores coisas", repetia sempre

Ofereciam-se ali, quando em plena operação o "Madoninna", alfabetização de adultos, cursos profissionalizantes, educação infantil, creches, esporte, teatro. Ver, como vi, aquilo tudo funcionando, era de encher os olhos.

Hoje dom Nesi é saudade e sua lembrança está gravada definitivamente na memória afetiva dos que privaram de sua amizade, dos que tiveram suas vidas transformadas por suas ações. Com o seu falecimento em 2003, a obra feneceu. Já vi esse filme várias vezes. As lideranças fortes, as pessoas de temperamento marcante, são sempre de difícil substituição. Este ano celebra-se o seu centenário de nascimento.

Seu corpo está sepultado na igreja encravada na obra. Há quem diga que o padre Nesi vira e mexe ainda dá as caras por lá. Eu mesmo, nas raras vezes que estive na obra após a sua morte, nunca vi. Já padre Riccardo segue vivo. Voltou a Florença.

 

Foto do Hélio Leitão

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