Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados
Li em algum lugar que a tragédia flerta com a comédia. Se é verdade não sei, mas a mim chegou uma história desses tempos que, sem lhe subtrair o caráter dramático, me arrancou boas risadas
Sempre me despertou a curiosidade intelectual o tema do regime ditatorial instalado no país com o golpe civil-militar de 1964 e seus crimes, ainda impunes por força de uma mal-ajambrada lei de anistia, em verdade caso típico de autoanistia, estado de coisas que já custou ao Brasil condenações pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Ao tema me dediquei por ocasião de meu doutoramento. Muitas e variadas leituras e vivências, de que eu destacaria o convívio sempre rico de aprendizado com homens e mulheres perseguidos e torturados por ousarem adversar o regime. Comigo foram partilhados inúmeros dramas e horrores, impingidos a essas pessoas, em sua maioria jovens, pelos esbirros da ditadura, deixando-lhes um legado de marcas perenes nos corpos e nas almas, como é próprio de um passado que nunca passa.
Li em algum lugar que a tragédia flerta com a comédia. Se é verdade não sei, mas a mim chegou uma história desses tempos que, sem lhe subtrair o caráter dramático, me arrancou boas risadas. Mesmo passados mais de cinquenta anos, consultei o principal personagem da trama sobre a conveniência de contá-lo aqui. Autorizou, desde que eu preservasse nomes e detalhes que pudessem identificar os protagonistas do enredo. Vou tentar.
Eram os começos dos anos 1970, vivendo a nação sob os efeitos do Ato Institucional 5, baixado a 13 de dezembro de 1968, por cujo meio a ditadura se assumiu, sem disfarces. Suspensa a garantia do Habeas Corpus, autorizado o general presidente de turno a decretar o recesso do Congresso Nacional, a cassar direitos políticos, entre outras pérolas engendradas para assegurar o êxito da "Revolução".
Eis que Honório, o nosso simpático personagem, que já houvera dado com os costados nas cadeias da ditadura, quando foi torturado, agora em liberdade toma conhecimento de que, por força de nova condenação da justiça militar, voltara a ter sua prisão decretada.
Mandado de prisão na rua, Honório resolve dar no pé. Perambula pelo país, vivendo dias de clandestinidade. Até que lhe vem a ideia de buscar refúgio por algum tempo, enquanto as coisas serenassem, em uma ordem religiosa. Logo ele que de religioso muito pouco ou nada tinha.
Do pensamento à ação. Como havia sido aluno de colégios católicos, iniciado, pois, nas coisas da igreja, não foi difícil convencer o superior de tradicional ordem religiosa da sinceridade de seus propósitos. Assim consegue ficar ao abrigo da Santa Madre por quase um ano.
Aqui a nota cômica, talvez a única. Além da disciplina de ferro que lhes era imposta, aos candidatos a clérigo era exigido que assumissem um outro nome, que não o próprio, praxe comum em congregações católicas antigas. Como o nosso Honório não atinasse com nenhum nome de seu agrado - afinal não deve ser fácil mudar de nome de uma hora para outra, seu superior na ordem sugeriu, coincidência das coincidências: Que tal Honório?
A ideia foi rechaçada. Honório era seu verdadeiro nome e adotá-lo, convenhamos, facilitaria um bocado o trabalho da polícia. Achou melhor chamar-se Frei Silva. n
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