Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados
No ano que passou internado em um convento de secular ordem religiosa, fingindo uma súbita e extemporânea vocação para a vida monástica, Honório, personagem já conhecido dos meus pouquíssimos se bem que fiéis leitores, teve de aprontar muitas das suas. Espero que receba o perdão divino pelo embuste que engendrou e pelo tanto que aprontou, afinal empreendia fuga da polícia da ditadura que combatia. Era o jeito. Não o censuro. Teria eu feito o mesmo. Ou bem mais.
Eis que em um dia como outro qualquer Honório recebe a visita de seu irmão Agamenon, e com ele vem a notícia de que se avizinhava a data de seu julgamento. Seria julgado à revelia, eram os tempos da famigerada lei de segurança nacional e Honório era tido e havido, segundo estampam as fichas da temida DOPS - Delegacia de Ordem Política e Social que me caíram às mãos, como "...elemento da mais alta periculosidade, frio, calculista, conscientizado no regime socialista...".
A condenação era certa, pois, favas contadas, como sempre se dá nos tribunais de exceção, e com a justiça militar daquele Brasil de então não se esperava que sucedesse de modo diferente. Havia, ainda, uma preocupação adicional. O julgamento seguramente ganharia os noticiários de televisão, afinal era preciso dar o exemplo àqueles que ousavam se insurgir contra o regime.
E agora? Acaso fosse de fato noticiado o julgamento e seu resultado, tivesse Honório a imagem exposta na TV em pleno horário nobre, a farsa improvável que tão bem construíra e com tanta competência e paciência sustentava ruiria por terra. Os padres, assíduos telespectadores nas noites frias do convento, descobririam que Honório, o simpático frei Silva, era, em verdade, um subversivo, como se dizia à época, em fuga batida da polícia.
A situação, decididamente, não permitia que se corressem riscos. Era preciso dar cabo do único televisor ali existente. Honório, que tinha solução para tudo, fez quase isso. Como havia conquistado a confiança de seus pares e superiores, detinha as chaves da sala de televisão. Astuto como só ele, Honório, na calada da madrugada, pé ante pé, vai ter na dita sala. Corta de um só e certeiro golpe o fio do transformador, deixando os padres sem TV por alguns dias.
Como dali a um tempo ninguém conseguisse encontrar o defeito, mergulhado o convento em silêncio e monotonia ainda maiores, o nosso personagem, sempre solícito e talvez com algum peso na consciência, arrogando-se possuidor de rudimentos de eletrotécnica, voluntaria-se para fazer o conserto. Impõe apenas uma singela condição: precisaria estar sozinho no momento dos reparos. Para melhor concentrar-se, dizia com circunspecção. Atendida a exigência, munido de uma providencial fita adesiva, Honório restabelece sem maior esforço a conexão do convento com o mundo.
Honório, contra todas as expectativas, acabou sendo absolvido. No convento, onde jamais se soube do tal julgamento, granjeou ele a boa reputação de bambambã da eletrônica. Há quem esteja impressionado com suas habilidades até hoje.
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