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Relicário Criminal 18
Foto de Hélio Leitão
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Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

Relicário Criminal 18

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Em 24 de outubro de 1958, O POVO noticiou a conclusão da apuração que deu a vitória a Cordeiro Neto (Foto: O POVO doc)
Foto: O POVO doc Em 24 de outubro de 1958, O POVO noticiou a conclusão da apuração que deu a vitória a Cordeiro Neto

O prédio ainda está lá, vetusto, firme, sólido como ele só. E cheio de histórias. Fincado em plena Praça dos Voluntários - assim chamada em reverência aos cearenses que lutaram na Guerra do Paraguai, abriga atualmente serviços da Polícia Civil. Sua edificação remonta aos anos 1930 e é creditada em boa medida à conta do Capitão Manoel Cordeiro Neto.

Natural de Russas, rigoroso e disciplinado como um militar prussiano, foi chefe de polícia naqueles tempos, anos 1935 a 1941, cargo equivalente hoje a secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social. Angariou prestígio e notoriedade pela adoção de políticas de higienização e controle sociais, quase sempre violentas e vexatórias, tudo muito ao gosto das classes dominantes. Assumindo a polícia, sob a batuta do Capitão, as vestes imaculadas de guardiã da moralidade e dos bons costumes, a prostituição que se exercia nas ruas foi impiedosamente reprimida.

Inúmeras petições de Habeas corpus foram impetradas por advogados no período, e mesmo antes, para a asseguração do direito a fazer "trottoir", francesismo muito em voga então para definir a prática da prostituição que se exercia nas vias públicas e que tanto pareciam incomodar as famílias gradas da cidade. A criminalização da pobreza e da exclusão eram bem a regra, contrastando fundamente com a nossa decantada cordialidade.

Ainda que inexistisse legislação à época que autorizasse a prática, punham-se os presos para trabalhar pesado na construção de obras públicas. Carregavam pedras, literalmente. E latas de tinta, o que rendeu a Cordeiro Neto o célebre epíteto de "homem da lata". Os cearenses somos sempre muito criativos na escolha dos apelidos. Há quem diga ser essa mesmo uma das marcas da dita cearensidade, com perdão do neologismo, do nosso "jeito cearense".

Sim, o prédio em que funciona a polícia civil foi em boa parte construído por presos. Como de uso, um caminhão percorria os distritos policiais da pequena Fortaleza, recolhendo os presos e despejando-os na Praça dos Voluntários, tornada um agitado canteiro de obras. O percurso incluía uma volta pela Praça do Ferreira, o coração da cidade. A população que ali se concentrava tinha o hábito já arraigado de esperar o caminhão que passava, pontual como um relógio suíço, para gozar do prazer sádico de saudar os presos com uma sonora vaia e xingamentos vários. Era assim todos os dias.

De pedra em pedra construiu-se o prédio e a carreira militar e política de Cordeiro Neto. Anos depois, já general, chega a prefeito de Fortaleza, eleito com ampla maioria dos votos. Prova de que não é de hoje que o discurso da segurança pública rende votos. E constrói mitos.

Foto do Hélio Leitão

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