Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados
Rui seria frequentemente procurado em sua casa, no bairro Botafogo, por pessoas em busca de aconselhamento jurídico e patrocínio de causas. A Águia de Haia não sabia dizer não, tampouco cobrava um tostão que fosse
A ideia deste artigo surgiu de uma conversa com o colega Ione Pereira Lima, experimentado advogado municipalista, formado na velha e sempre atual escola, homem que valoriza as letras, a cultura e as boas histórias da advocacia e do anedotário forense. Dizia-me ele das insuperáveis dificuldades que o seu amigo de toda a vida e referência profissional, Vasco Damasceno Weyne - um penalista de mão-cheia que foi presidente da seção cearense da Ordem dos Advogados do Brasil e Procurador-Geral de Justiça - encontrava quando era chegado o momento, para ele cruciante de, cara a cara com o cliente, fixar honorários. Quando conseguia, cobrava mal, contou-me Ione com ar saudoso.
A história me fez recordar um texto do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, em que relata que seu conterrâneo, o Conselheiro Rui Barbosa, padecia dos mesmíssimos males. Era Rui frequentemente procurado em sua casa, no bairro Botafogo, por pessoas em busca de aconselhamento jurídico e patrocínio de causas. A Águia de Haia não sabia dizer não, tampouco cobrava um tostão que fosse.
A coisa estava assumindo uma tal dimensão que passou a incomodar dona Maria Augusta, sua esposa, que era quem cuidava das finanças da família. Em número de cinco eram os filhos por criar. E isso custava um bocado de dinheiro. O desprendimento do Conselheiro ameaçava o orçamento doméstico. Ela bem que tentou convencer o marido da necessidade de cobrar justos honorários pelos serviços que prestava. Em vão.
Como se sabe, as esposas não costumam desistir facilmente de seus propósitos. Restava-lhe um último recurso, de que ela não hesitou lançar mão. Passou a postar-se à porta da biblioteca onde Rui recebia suas visitas e, quando estas saíam, fazia a cobrança, de mãos estendidas, sem a menor cerimônia, disparando: "senhor, o Conselheiro come".
Se é verdade o que se conta, não sei, li o que João Ubaldo escreveu. Aliás, sendo ele um dos autores contemporâneos de minha predileção, creio ter lido tudo o que ele escreveu. O certo é que a história traduz muito bem o espírito dos que vivem animados por grandes ideais, com seu usual pouco apreço a bens materiais.
A casa de Rui no Botafogo está lá, muito bem preservada. Conheci, em uma de minhas idas ao Rio de Janeiro. Estive na biblioteca, à porta da qual as abordagens de dona Maria Augusta teriam acontecido. Um baita casarão, com quatro carros que pertenceram a ele na garagem. Vale a pena a visita, uma viagem no tempo. Ali funciona hoje a Fundação Casa de a Rui Barbosa, importante centro de estudos e pesquisa.
O homem poderia até trabalhar de graça e não saber cobrar, disso não quero duvidar, mas pobre não era. Não era mesmo.
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