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Lindolfo e a luta contra o esquecimento
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Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

Lindolfo e a luta contra o esquecimento

.Nesta luta sem quartel contra o esquecimento, hoje conto sobre o advogado Lindolfo Cordeiro. Este cearense de Canindé, nascido ali pelos inícios do ano 1927, fez da advocacia arma em defesa dos direitos dos camponeses, pequenos proprietários e possuidores, junto a quem procurava erguer uma cerca de contenção contra os abusos do latifúndio
Tipo Opinião
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Mulheres contra a ditadura militar (Foto: Reprodução/Jornal da USP)
Foto: Reprodução/Jornal da USP Mulheres contra a ditadura militar

Sempre compreendi a advocacia como um vigoroso instrumento de transformação social, bem mais que um meio digno de se ganhar a vida. Inúmeros os exemplos de advogados que fizeram da lida diária autêntica frente de combate contra as injustiças sociais de seu tempo, de todos os tempos, arrostando, com a força da pena e da palavra apenas, o poder que não aceita contestação. Histórias que merecem ser contadas.

Afinal, "A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento", como escreveu Milan Kundera, autor de "A insustentável leveza do ser", um dos livros cuja leitura marcou fundamente a minha alma.

Nesta luta sem quartel contra o esquecimento, hoje conto sobre o advogado Lindolfo Cordeiro. Este cearense de Canindé, nascido ali pelos inícios do ano 1927, fez da advocacia arma em defesa dos direitos dos camponeses, pequenos proprietários e possuidores, junto a quem procurava erguer uma cerca de contenção contra os abusos do latifúndio.

Bacharelando-se em direito em 1961, Lindolfo teve destacada atuação profissional no campo do direito agrário. Vivia-se em plena ditadura militar, quadra histórica de grandes conflitos fundiários e intensa repressão a movimentos populares. Mesmo nessa ambiência autoritária, obteve importante vitória judicial — a desapropriação da Fazenda Japuara, em sua Canindé natal. Era a primeira desapropriação de terras acontecida no Ceará sob a égide do Estatuto da Terra, legislação produzida pelo próprio regime militar para descompressão dos graves conflitos agrários que pipocavam pelo país. O caso tronou-se um marco na história judiciária do nosso estado. Sim, Lindolfo fazia história.

Ganhou fama. E ódio. Acabou preso logo depois pelas forças de segurança da ditadura, sob a acusação de incitar a luta armada no campo. Não se intimidou. Elevado a referência da luta pela terra, sua atuação profissional e política ganhou força. Instalou escritório em Tianguá, onde passou a advogar, em conflitos agrários inclusive.

Era o dia 13 de novembro de 1978. Lindolfo acompanhava um cliente até à porta de seu escritório, quando foi trucidado. Disparo único de revólver contra sua cabeça, pelas costas. Deixou esposa e cinco filhos. O episódio, claro, teve ampla repercussão. Era evidente a motivação política. A seção cearense da OAB, então presidida por Luiz Cruz de Vasconcelos, acompanhou de perto as investigações. Houve julgamento pelo Tribunal do Júri do apontado assassino. A sessão foi concorrida, contou com a presença ilustre do governador do estado, que, na plateia, em velada declaração de apoio, postou-se ao lado da família do acusado. Deu absolvição.

 

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