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Joaquín e o vira-latas
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Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

Joaquín e o vira-latas

Acreditava Nelson Rodrigues, que de esquerdista não tinha nada, serem os brasileiros, sempre orgulhosamente convictos de sua inferioridade frente aos países do norte global, acometidos de um "complexo de vira-latas"
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EDUARDO Bolsonaro em encontro com Trump em 2021 (Foto: Reprodução/Redes sociais)
Foto: Reprodução/Redes sociais EDUARDO Bolsonaro em encontro com Trump em 2021

Os ataques do ainda deputado federal Eduardo Bolsonaro à soberania nacional, prostrando-se de joelhos aos pés de Donald Trump, em rogos por que fossem aplicadas sanções à nossa economia e impostas aos agentes do estado brasileiro as penas da chamada lei Magnitsky, me fizeram lembrar algumas das célebres máximas de Nelson Rodrigues, escritor e polemista dos bons.

Acreditava Nelson, logo ele que de esquerdista não tinha nada, serem os brasileiros, sempre orgulhosamente convictos de sua inferioridade frente aos países do norte global, acometidos de um "complexo de vira-latas", mal invencível. Quando um dia puséssemos os pés na lua, dizia, nos declararíamos colônia. Seríamos assim uma espécie de "narcisos às avessas ". O autor de "Vestido de Noiva", por mais que se lhe possam fazer restrições, e eu próprio as faço muitas, era decididamente um grande frasista.

Com essas impressões em mente, eis que travo, meio que por acaso e por primeira vez, contato com a extraordinária obra artística e trajetória de vida do hispano-uruguaio Joaquín Torres García, em exposição no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo. Acesso gratuito, vale dizer, o que facilita as coisas para eventuais interessados.

Na exposição, muito bem montada, conta-se, em linha do tempo, da evolução de sua obra e seu amadurecimento intelectual, até o lançamento das bases de seu "Universalismo Construtivo", de que a defesa uma arte autenticamente latino-americana é a espinha dorsal - valorizados os elementos das culturas autóctones, insubmissa aos cânones estéticos estabelecidos pelos Estados-Unidos e Europa, importados mais das vezes acrítica e entusiasticamente.

Em sua obra mais conhecida, "América Invertida", desenho à caneta e tinta datado de 1943, o artista, ao por de ponta cabeça o mapa do continente americano, faz bem a síntese de suas ideias políticas e estéticas, reivindicando a adoção de uma linguagem artística única, a refletir com originalidade a cultura e história dos nossos povos. Estavam lançadas as bases da "Escola do Sul", edificada sobre os postulados formulados por García Torres, segundo quem "... o nosso norte é o Sul.

Não deve haver Norte para nós a não ser por oposição ao nosso Sul. Por isso agora colocamos o mapa ao contrário, e assim temos uma justa ideia de nossa posição, e não como querem no resto do mundo. A ponta da América, a partir de agora, prolongando-se, aponta insistentemente para o Sul, o nosso norte."
García Torres morre em 1949, aos 75 anos de idade, em sua Montevidéu natal. Imagino, só imagino, o que pensaria ele da sabujice do filho 03 de Jair Bolsonaro.

Acreditava Nelson, logo ele que de esquerdista não tinha nada, serem os brasileiros, sempre orgulhosamente convictos de sua inferioridade frente aos países do norte global, acometidos de um "complexo de vira-latas", mal invencível. 

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