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Mitomaníaco
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Mitomaníaco

Tipo Opinião

Há quem se refira ao presidente como mito, no que estão certos, porque se trata de alguém que mente patologicamente, mente ao natural, mente porque respira e porque tem uma tarefa política: reeleger-se.

A mentira, portanto, está assentada num universo cujo centro gravitacional é esse sol fabricado, irreal, em suma, mentiroso, desconectado da realidade.

Mitomaníaco.

O discurso orbita a mentira, vai lhe dando ares de verdade não por seu conteúdo, flagrantemente inverídico e facilmente desmentido, mas pela performance.

Ali está uma pessoa que mente convictamente, um narrador que não é somente inconfiável, é desbragadamente mentiroso e por isso um narrador a quem se dá ouvidos.

Não é como se desdobrasse uma historieta em que ali e ali faltassem peças e o seu autor as preenchesse como quer, sem que isso afetasse o pacto de leitura da obra. Ok, sei que houve exagero eventual, o que não compromete a totalidade do que foi apresentado.

O presidente procede por outro meio, no entanto. Sua falsificação é uma constante, um conector e um substrato, reforça-se por meio de elementos que vão e vêm no discurso, articulado em torno desse eixo.

A mentira é seu universo, ele o habita publicamente, mantém com a fala falseada uma relação simbiótica. Minto, logo governo. Narrando a mentira como verdade, almeja equiparar-se ao homem comum.

No fundo, porém, me pergunto: se sabe que é mentira, por que mente?

Há dois caminhos: um é que, cioso da mentira, Bolsonaro pretende colher dividendos políticos. A confiabilidade é assegurada por ele, o emissor - quem fala, não importa o quê, certifica a validade da sentença, o que lhe franqueia amplo espaço para manobrar politicamente qualquer assunto a fim de obter qualquer ganho - a liberdade dos filhos, a reeleição, a cortina de fumaça contra desmonte de ações governamentais etc.

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Segundo caminho: não sabendo que mente, mente. Nessa hipótese, a mentira é sua ética, vive-a como vida autêntica, seus valores estão ao revés.

Disse que a mentira está desconectada do real na expressão bolsonarista, mas julgo que se dá exatamente o contrário.

O presidente, como um vulgar, extrai de sua experiência cotidiana os indicadores - os elementos de plausibilidade - e, com eles, monta seus quadros horrendos nos quais os inimigos urdem uma conspiração para golpeá-lo.

O solo do qual retira suas mentiras é, portanto, o mesmo chão de todo mundo.

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