Zé Gotinha armamentista é a síntese do bolsonarismo
Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
Símbolo de saúde e de campanha educativa criado ainda na década de 1980, o Zé Gotinha se converteu em seu contrário: mensageiro de deseducação e morte.
Essa degeneração, operada por Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal e ponta de lança do projeto familiar, sumariza o espírito do bolsonarismo: o sequestro dos símbolos de vida e seu uso para o militarismo-patrimonialista do presidente, que vem a ser o seu pai.
Nada mais fiel a esse ideário que a substituição da vacina pelo fuzil, do remédio e da possibilidade de cura por aquilo que mata, o instrumento a serviço do qual Bolsonaro trabalha incansavelmente. Zé Gotinha armamentista é expressão da plataforma governamental, a senha do Planalto nestes tempos.
De fácil assimilação, como de resto toda a mensagem emanada pelo grupo político e que se endereça às falanges de apoiadores, a imagem do Zé Gotinha miliciano é complementada por frase dispensável: “A nossa arma agora é a vacina”, uma primeira versão da postagem, depois corrigida para: “Nossa arma é a vacina”.
O “agora”, que situava o posicionamento do parlamentar e o emprego contingente da palavra, numa pretensa defesa da vacina, desapareceu na publicação seguinte, repostada nas redes sociais.
O fato de que explicite o caráter forçado da presença da vacina no discurso oficial e de campanha encampado desde já pelos Bolsonaro apenas reitera o que a própria imagem da releitura do Zé Gotinha já traz: a apropriação do personagem nacional em favor da narrativa enganosa, fabricada para rasurar o presente negacionista e antivacina, de modo a pavimentar o caminho para 2022.
Armam-se de vacina, o que é mentira, para tentar desarmar adversários, que hão de cobrar essa fatura nas urnas.
Assim como tenta com o passado brasileiro, Bolsonaro quer reescrever 2020 e 2021 – talvez também 2022, quando as fragilidades do governo, somadas às dificuldades do quadro sanitário e ampliadas pela inépcia do chefe do Executivo, ficarão mais e mais evidentes.
O mero truque da substituição da vacina pela metralhadora é gesto insuficiente para encobrir o que se documenta fartamente no que diz respeito à atuação de Bolsonaro: boicote e sabotagem sistemática de toda e qualquer medida que pudesse atenuar as perdas, de vidas e econômicas.
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