Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
O presidente Jair Bolsonaro mantém o péssimo hábito de manifestar sua total falta de empatia com a tragédia que o País enfrenta, ante uma pandemia que já matou mais de 400 mil pessoas
Não é surpresa que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem o mau hábito de tratar sua gente como idiota. Novo mesmo é que o expresse tão claramente quanto fez ontem, sem sequer levar em conta o cálculo político. Afinal, é candidato à reeleição. Tampouco o respeito pelos mortos que se espera de qualquer pessoa minimamente inteligente e empática, dois atributos que lhe faltam.
A seus apoiadores na saída do Alvorada, Bolsonaro disse, entre risos: "Tem alguns idiotas que até hoje ficam em casa". Muito prazer, eu sou um deles. Sigo em casa porque não há vacina, e não há vacina porque o Governo Federal não a comprou antecipadamente, e não a comprou porque o idiota que ocupa a cadeira de mandatário houve por bem investir em soluções miraculosas sopradas por oráculos doidivanas, tais como o filho vereador e o médico terraplanista.
E deu no que deu, mais de 400 mil óbitos e um presidente cuja zombaria, embora não seja propriamente um choque, ainda faz cair o queixo. Não pelo teor da fala, porque sabemos todos de que material é feito o militar da reserva, mas pela desfaçatez. Não fossem as medidas de restrição adotadas por governadores e prefeitos, essas mesmas que o presidente tenta desmontar, o estrago seria consideravelmente maior.
Qualquer líder de Estado, nestas mesmas circunstâncias, estaria agora empenhado em reduzir danos políticos causados por uma CPI e preocupado com o avanço das investigações, que devem concluir pelo óbvio: houve dolo. Mas não Bolsonaro, que se esforça para que, a cada dia que passa, não reste dúvida alguma, se ainda havia, sobre de quem é a responsabilidade por estarmos nessa encalacrada.
CPI tem semana decisiva
Falando na CPI da Covid, o Planalto tem uma semana explosiva pela frente, a começar por hoje, com o depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo aos 11 senadores que integram o colegiado. De temperamento mercurial, diz-se que Araújo foi submetido a rígido treinamento no Planalto, com suporte de Filipe Martins, templário do obscurantismo e assessor para assuntos internacionais. Ou seja, impossível prever o que vem pela frente.
Amanhã é a vez do ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde), cujo testemunho deve se alternar entre o silêncio culposo e respostas genéricas a fim de não se comprometer. E, no dia seguinte, a médica Mayra Pinheiro é a convocada da CPI.
São três personagens com potencial para implicar diretamente o presidente no grave roteiro que vai se esboçando aos poucos a partir dos relatos de ex-ministros, autoridades sanitárias e representantes de farmacêutica. Ao fim deles, o "plano da morte" levado adiante por Bolsonaro estará mais evidente.
Enquanto isso, no Ceará...
Se o noticiário se ocupa da CPI, a política anda no seu próprio tempo. No Ceará, as articulações e conversas sobre 2022 estão a pleno vapor. Dois movimentos têm chamado atenção: o do senador Tasso Jereissati (PSDB), cuja pré-candidatura presidencial amadurece, com possibilidade de alterar o xadrez local - uma coisa é o tucano lançar-se sem o apoio do PDT de Ciro Gomes, outra com ele. Ainda que as chances de composição sejam mínimas, não custa nada prosear.
Outro que vai testando o cenário é o ex-senador Eunício Oliveira (MDB). Entre os tópicos da reunião com o ex-presidente Lula em abril passado, soube-se que o quadro no Ceará ocupou algum tempo. O emedebista já disse: ou disputa o Senado ou o Governo do Estado.
O aceno do petista ao "MDB raiz", como fala Eunício, é sinal claro de que os dois partidos trabalham com a possibilidade de que seus interesses em 2022 possam estar do mesmo lado, inclusive quando se trata de derrotar adversários comuns.
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