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Congresso aprova fundão bilionário, mas ninguém quer assumir a conta
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Congresso aprova fundão bilionário, mas ninguém quer assumir a conta

Embora deputados e senadores tenham deixado seus votos registrados na sessão que deliberou sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ninguém diz que foi favorável ao fundão. Todos, em tese, contra
Tipo Análise
Plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados Plenário da Câmara dos Deputados

O Congresso Nacional aprovou ontem o fundão eleitoral de quase R$ 6 bilhões (R$ 5,7 bi, para ser preciso), três vezes o valor de 2018, num ano de pandemia e perdas orçamentárias de todos os entes federativos. Mas é como se o projeto houvesse tramitado sozinho e se feito aprovar a si mesmo, sem necessidade de votos.

Embora deputados e senadores tenham deixado seus votos registrados na sessão que deliberou sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ninguém diz que foi favorável ao fundão. Todos, em tese, contra. Mas o fundão foi miraculosamente aprovado com folga, vejam só, à revelia da vontade da maioria dos congressistas.

Na Câmara, foram 278 votos a favor da LDO e 145 contrários – houve apenas uma abstenção. Entre senadores, o placar foi mais apertado, 40 a 33, mas suficiente para aprovar o PLN 03/2021, que lança as bases para a Lei Orçamentária Anual (LOA).

Uma parte dessa confusão em torno da paternidade do fundão se deve a um expediente de que parlamentares lançaram mão na sessão dessa quinta-feira: a votação simbólica do destaque do Novo, que retirou o debate do fundão do texto principal da LDO, sendo possível apreciá-lo em separado e a toque de caixa.

Leia-se: sem deixar digital, ou seja, sem o desgaste de multiplicar por três os recursos que vão para as campanhas eleitorais num ano em que 14 milhões de brasileiros estão desempregados e meio milhão de pessoas morreram na esteira da Covid.

A manobra, porque não há dúvida de que se tratou de uma, expôs sobretudo os deputados bolsonaristas, que tentaram se explicar a seus apoiadores exibindo uma declaração de voto a favor do destaque do Novo, caso ele tivesse sido submetido a voto nominal (em que cada parlamentar deixa registrado o seu voto), e não a votação simbólica, como acabou acontecendo.

Pergunta: por que esses parlamentares não pediram destaque do mesmo trecho já destacado pelo Novo, o que talvez houvesse pressionado mais a mesa da Câmara a colocar o item em votação nominal?

Mais: por que apenas quatro partidos apoiaram formalmente o destaque do Novo?

E finalmente: por que não mobilizaram suas bases digitais e as do governo, que tem maioria nas duas casas legislativas, para tentar assegurar votação nominal do destaque do fundão e assim retirá-lo do projeto no voto?

Em suma, por que não fizeram nada além de registarem uma declaração de voto em meio à análise de tema tão importante, mas que sequer foi levada adiante porque, antes dela, houve uma chicana fruto de um acordão cujo objetivo era turbinar os cofres dos partidos para as disputas do ano que vem?

Por se tratar de grupo muito vocal nas redes, é de se estranhar que os bolsonaristas tenham deixado correr a tramitação da LDO normalmente para, só então, manifestar-se nas plataformas, simulando indignação quando, na verdade, não empregaram todos os recursos que estavam a sua disposição para barrar o fundão.

Afinal, antes mesmo de votar o destaque do Novo, uma operação por si só de risco já que amparada num movimento conduzido por legenda minoritária e sem condições de pressionar por votação nominal, os governistas ainda tinham a seu alcance a possibilidade mais drástica de votar contra o projeto substitutivo da LDO.

Ora, se eram radicalmente contra o fundão como dizem que são até agora, que rejeitassem então o substitutivo apresentado pelo relator. A ação teria imposto uma reavaliação seja do projeto original da LDO, seja de um novo relatório, zerando o processo e obrigando os deputados e senadores a fazer tudo de novo, mas com o ganho de que o contribuinte não arcaria com fundo bilionário para 2022.

Isso teria encurtado as férias dos nobres parlamentares? Sim, mas paciência. Estamos falando de um gasto extra de quatro bilhões de reais, e não de uma caixa de ovos e um pacote de bolacha. Qualquer esforço teria valido a pena.

A sensação que fica é a de que, aprovado o fundão, os parlamentares contrários, mas que foram favoráveis à LDO, não fizeram tudo que tinham de fazer e agora, convenientemente, tentam se proteger sob o argumento de que não houve votação nominal de destaque e que votar a LDO não equivale a votar a favor do fundão.

Sim, e é escandaloso que não tenha havido votação nominal de um ponto da lei que prevê triplicar recursos para os partidos em 2022. E não houve votação nominal do destaque porque deu-se manobra regimental.

Se houve manobra foi porque a base do governo, e dentro dela o centrão, operou para isso.

Se os deputados realmente desejassem impedir o fundão, teriam agido para atalhar essa escaramuça. Teriam aguardado o interstício (prazo de uma hora entre duas votações nominais) e, em seguida, enterrado esse assalto. Mas não fizeram nada isso.

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