Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
A gente vive uma relação estranha com a praia. Não digo com Fortaleza, mas com o litoral do Ceará, a parte intocada da faixa, salvo pelas pousadas e construções, algumas oficiais e outras nem tanto, algumas de autoridades e outras de artistas, lugar onde o poder encontra a cultura numa ciranda de bons interesses e nenhum conflito.
Queremos a praia ocupada parcialmente e detestamos que a devore a especulação imobiliária, o capital. A praia ideal é a que mantém seu núcleo de vila de pescadores, um ou outro chalé, que é pra receber os chegados de fora com alguma comodidade. Não mais que isso.
Uma praia cenográfica, de preferência, com seus marcos que a distinguem de outras praias mais visitadas, que a façam única, indócil e domesticada ao mesmo tempo, paisagem já vista e exótica. Um lugar de exploração e novidade e também de segurança e garantias.
Seus atrativos são a lonjura e essa ideia de exclusivismo que o nativo cultiva por gosto e classe social. Praia boa é praia afastada, sem movimento, com traços virginais, pouco frequentada e cujo horizonte ainda preserve uma linha do que foi décadas atrás, quando nada havia desembarcado ali e as pessoas viviam como se vivia dois séculos antes.
A praia ruim, por inversão, é a praia ocupada, já tornada bem simbólico e vendida no pacote turístico ofertado por ambulantes na orla da capital. A praia fake, explorada e fetichizada.
A praia na era da reprodutibilidade técnica. A praia erodida não pela força das marés nem pela corrosão do sal, mas pelo desgaste da imagem e da comercialização.
"Três praias num dia, casal?", pergunta o agente, um rapaz queimado de sol. Carrega a plaquinha com o roteiro da viagem que promete tanta coisa em tão pouco tempo, uma síntese das experiências de turismo doméstico, o Ceará dando-se a ver no que tem de melhor, a passagem apressada por um quadrante já conhecido.
"Não, a gente é daqui mesmo", respondemos, um pouco acanhados por dizer o que não se costuma dizer. A expressão "A gente é daqui" encerra qualquer conversa, coloca um ponto final nas expectativas de comércio e de consumo do pacote de memórias. É uma frase que embute muita coisa e não diz nada ao mesmo tempo.
Eu poderia ser daqui e me interessar pelo passeio, enxergar a geografia com olhar alheio, inventar para mim um lugar de exterioridade a partir do qual eu pudesse ver o que não vejo sendo parte do que é. Mas, supondo que seja cearense, o vendedor imagina que ou não tenha interesse no itinerário feito para turista ou não tenha dinheiro. Ou as duas coisas, no que estava coberto de razão.
São os dois antípodas, a praia VIP e a praia do capital, a praia ainda por se descobrir e a praia desde muito sabida. Praia artesanal e praia manufaturada. A praia da gente é essa que está por vir, mas também a que já partiu.
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