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Climão no PDT, ausência de Cid e protagonismo de Camilo: entenda a semana
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Climão no PDT, ausência de Cid e protagonismo de Camilo: entenda a semana

O quadro desenhado meses atrás era o seguinte: Camilo iria conduzir a própria sucessão, ao lado de Cid e de outras lideranças pedetistas. Mas era de Camilo a batuta do processo. Esse cenário pode ter se alterado
Tipo Análise
Roberto Cláudio e Izolda na mesa com Ciro Gomes e Carlos Lupi quando ainda existia a aliança do PDT com o PT (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Roberto Cláudio e Izolda na mesa com Ciro Gomes e Carlos Lupi quando ainda existia a aliança do PDT com o PT

A um mês do início do período das convenções, o maior partido da aliança governista no Ceará, o PDT, se viu tragado por uma crise fabricada pela própria legenda, agravada com a significativa colaboração do presidente nacional da sigla, Carlos Lupi.

No encontro regional da quarta-feira (15), em Fortaleza, Lupi não emitiu apenas opinião pessoal ao declarar apoio ao ex-prefeito Roberto Cláudio na disputa para o governo em 2022. Foi também deselegante. Afinal, estava cercado de outros três pré-candidatos – Izolda Cela, Evandro Leitão e Mauro Filho.

Escrevi ainda naquele dia que a “opinião pessoal do dirigente do PDT, dada em encontro tão importante” – o primeiro de uma série pelo país, com a presença das principais lideranças da sigla –, não era “coisa trivial”.

E não era mesmo. A reação da bancada pedetista na Assembleia Legislativa, encabeçada por Leitão, foi a mostra de que o processo interno da agremiação está drenando energias quando, em princípio, deveria concentrá-las em um nome do partido, que sairia fortalecido da dinâmica – como foi mais ou menos com José Sarto em 2020.

As chances de que isso se repita em 2022, porém, começam a ficar comprometidas, não somente porque os aliados resistem a parte dos pré-candidatos na mesa, mas porque, dentro do PDT, as regras do jogo têm sido embaralhadas.

Em seu favor, Lupi respondeu que tem direito a opinar, e tem mesmo. Mas cabe lembrar que o pedetista já havia feito isso em duas ocasiões recentes, em entrevista ao Globo e ao Valor, ambas semanas antes do encontro regional.

Talvez não precisasse ter repetido isso na passagem pelo Ceará, e ainda com mais ênfase, com direito a música cantarolada em homenagem a RC, durante reunião da legenda e numa mesa da qual os demais cotados a candidato faziam parte, entre eles a maior figura do partido no estado, a governadora Izolda Cela.

Diante da polêmica que se seguiu, Lupi poderia ter apenas apagado o incêndio e se desculpado com os colegas, notadamente com Evandro Leitão, que liderou as queixas, embora não tenha sido o único – quase toda a bancada o acompanhou e subscreveu o tom de suas falas, à exceção de um deputado, Queiroz Filho, ex-secretário de RC.

O presidente, no entanto, preferiu criticar Leitão por ter chegado atrasado ao encontro e saído cedo de lá, numa postura mais de fiscal e menos de político calejado que é. Esse excesso de energia na crítica a um colega de agremiação, longe de ser gratuito, revela as posições que cada um ocupa no jogo de forças interno, no qual o presidente da AL-CE está mais próximo de um grupo do que de outro.

Mas é possível que tudo isso tenha ao final ajudado a colocar algumas coisas em perspectiva. Uma delas é a evidente predileção da cúpula pedetista (leia-se Ciro Gomes e Lupi) por Roberto Cláudio, que, se não era propriamente uma novidade, agora deixa de ser mera especulação.

E o senador Cid Gomes? O ex-governador é a grande interrogação neste momento. Cid não foi ao evento, segundo a assessoria, por estar com problemas de saúde. Poderia ter participado remotamente, como outras figuras do partido fizeram? Boa pergunta.

Lembro de outra ausência de Cid: em 2018, quando o então senador Eunício Oliveira (MDB) e o grupo dos Ferreira Gomes chegaram a um acordo para a disputa daquele ano, prometendo-se apoio mútuo no pleito. No dia da convenção do MDB, porém, apenas Camilo Santana (PT), candidato à reeleição, compareceu à agenda. Cid não foi, conforme Camilo, por motivo de saúde. Ao final, Eunício não se reelegeu, e o resto é história.

A ausência de Cid num encontro como o realizado pelo PDT nesta semana, ainda que compreensível pelas razões alegadas, alimenta inevitavelmente uma série de suposições, sobretudo porque se dá num momento em que o senador, peça-chave nas articulações estaduais, vem mantendo silêncio sobre as costuras políticas.

E aqui vale recuperar o fio da história: Camilo renunciou ao governo do Estado para concorrer ao Senado em acerto prévio com a aliança, deixando Izolda em seu lugar, cotada para postular a reeleição com apoio declarado do petista e do PT.

O quadro desenhado meses atrás era o seguinte: Camilo iria conduzir a própria sucessão, ao lado de Cid e de outras lideranças pedetistas. Mas era de Camilo a batuta do processo, conforme indicações de Cid e Ciro tornadas públicas.

Havia, portanto, um pacto em torno dos rumos do bloco governista, com papéis definidos sobre quem faria o quê e a quem caberia certas indicações de escolhas e qual o peso delas.

Qual é o cenário atual? Em anúncio feito por Ciro, o processo de definição do candidato para a sucessão vai ser comandado pelo deputado federal André Figueiredo, presidente estadual do PDT, e o nome mais cotado para representar as forças governistas é o de Roberto Cláudio, aquele pelo qual o PT de Camilo já disse que não irá trabalhar.

Junte-se a isso uma recente crítica do deputado federal José Guimarães de que Camilo estaria sendo excluído da cadeia decisória na sucessão no Ceará, e o cenário começa a ganhar alguns contornos, com a sugestão de que aquele pacto inicial, feito com Camilo quando ainda estava no governo, pode ter se reconfigurado.

Mas o que poderia levar a uma alteração nos termos desse acordo?

Divergências na escolha do nome, por exemplo, como a que se vê agora, com o PDT e os membros da base aliada abertamente divididos entre Izolda (Camilo/Guimarães) e RC (Ciro/Lupi), uma polarização diante da qual ou uma das partes cede em favor da composição, ou há ruptura, ou uma terceira via é apresentada, de maneira a compatibilizar os interesses conflitantes.

Foto do Henrique Araújo

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