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Sentar, o verbo de 2022
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Sentar, o verbo de 2022

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Tipo Crônica

Não há dúvida de que "sentar", em suas múltiplas acepções, foi a palavra do ano de 2022, sendo conjugada em contextos e situações distintas. Do arco mais libidinal ao propriamente político, ocupou muitas posições, indicando tanto uma postura mais ativa quanto uma mais passiva.

Sentar resume o ano tanto quanto a derrota do Brasil sintetiza o estado atual do futebol brasileiro. É uma legenda para uma temporada de esgotamento físico e psicológico ao fim da qual a única tarefa apropriada para quem sobreviveu ao período foi procurar um canto - uma cadeira, um banco, um sofá, o chão mesmo - e se sentar, não antes daquele suspiro de entrega a que se segue uma tímida exclamação: "sentei".

Nesse sentido, sentar é descanso, mas não desistência. Carrega um sentimento de missão cumprida ao cabo de uma queda de braço exaustiva contra forças que nos obrigaram a permanecer de pé quase todo o tempo e ocasionalmente saltar para outro lado e também gritar, reocupando um espaço que havia sido solapado.

Mas sentar é também esse verbo cujo uso foi redefinido para designar uma parte de um ato sexual, pressupondo uma agência feminina, não masculina. O "homem" - ou seja lá quem ocupe essa função na relação - é o suporte, a matéria sobre a qual esse (a) outro (a) se senta.

Os polos, nesse caso, se invertem, com o poder se deslocando, numa mudança captada pelo funk, cujas letras devotam um espaço todo especial à palavra. E não há música desse gênero hoje em dia sem que alguém se sente do início ao fim, indo e voltando. Logo, sentar é celebrar essa disposição de abertura a um outro.

Curiosamente, em algum momento essas duas significações se cruzam, sentando-se lado a lado no dicionário depois de dividirem os longos meses do ano. Como se por obra do acaso, esse duplo sentar faz parte do mesmo movimento, que sugere um tipo de mudança no horizonte político, cultural e comportamental.

Sentar: flexionar os joelhos e deixar o corpo finalmente dobrar-se sob o próprio peso depois de esforço prolongado desse enfrentamento contra um presidente assim. Sentar: permitir-se algum tempo ocioso após exposição a uma fadiga continuada e estressante.

E sentar: postura de apreciação, de gozo e contentamento diante da beleza ou do mero tempo que passa, dos dias e das horas, da chuva e do sol, do calor e do frio.

Sentar num banco de rua, na sala de jantar ou no bar, cercado pelos seus, pai e mãe de um lado, irmãos do outro, amigos em redor. Sentar na cadeira de cinema, ou "sentar" sentado na cadeira de cinema, como às vezes acontece entre casais mais afoitos.

Enfim, esse excesso de sentar nunca é redundante nem desaconselhado. É apenas o reconhecimento de uma necessidade adiada e que finalmente se cumpre, ontem, hoje ou amanhã.

Foto do Henrique Araújo

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