A positividade é um negócio aborrecido, chato mesmo. Não a positividade ingênua, boa-praça, cultivada sem pretensões de encerrar grandes ensinamentos nem se apresentar como produto pré-fabricado sob medida para adornar vitrine de telas touch.
Falo dessa positividade que se impõe como obrigação, um roteiro que se deve cumprir compulsoriamente, do contrário recai-se no seu inverso, a negatividade, e ser negativo é pecado capital na tábula da vida interconectada.
Prefiro ser triste a ser negativo, que são coisas diferentes. O triste é acolhido e amparado, fia-se no bom-mocismo dos outros. Já o negativo é patologizado, segregado, escanteado.
O ethos negativo é algo moralmente condenável, uma ferida da alma, uma lepra social, uma chaga de ares bíblicos rogada pelo deus oracular das redes.
O triste eventualmente alegra-se, convertendo a tristeza em capital social, extraindo disso um ganho. O negativo está em constante desvantagem social, é um pária em seu próprio ninho.
Ser positivo e produtivo, por outro lado, caminham sempre de mãos dadas, como peças do Lego da maquinaria do dia a dia. Ser produtivo, positivo e, não custa dizer, proativo, o trinômio corporativo, jargão mecânico que se apresenta como horizonte para atravessar o deserto que nos separa de um estágio de falta para o de uma abundância que está do outro lado do arco-íris.
A necessidade de produzir mais em menos tempo aliada a uma sugestão mal-disfarçada de que é preciso estar permanentemente entregue a esse estado de reconhecimento e busca do que há de melhor em cada coisa.
Aproveitar sempre, toda hora, a todo instante, em todas as plataformas, sem perder qualquer remota dobra do tempo, sem desperdiçar nem incorrer no erro supremo de se gastar à toa. O positivo é incansável na sua positividade, ostensivo nas suas demonstrações, insaciável nas suas demandas.
Para ele, tudo se resolve na escala do indivíduo, e nisso precisamente reside a sua toxicidade. De repente, não há problemas fora do nível pessoal. Seja seu emprego, seja sua felicidade, seja a saúde mental, sua afetividade, sua vida sexual. A autonomia que embota porque dissolve o que existe fora desse universo miniaturizado.
Fulano e fulana se bastam nessa autocracia dos positivamente felizes porque conseguem esquecer que existe mundo e sua engrenagem. Nada afeta.
As agonias coletivas, para eles, têm sempre uma resposta doméstica, uma saída pessoal e não socializada, uma vez que são convertidas em dado com o qual se lida solitariamente, cada um no seu quadrado.
Sobre esse sujeito-ilha, esse Joseph K. contemporâneo, esse inseto diligente e cioso de seus hábitos e tarefas, de seus limites e possibilidades, de suas paixões e derrotas, pesam as respostas através das quais se espera que as questões mais difíceis se desfaçam, como num passe de mágica.
Essa positividade instagramável é, ao cabo, tão daninha quanto o ato desesperançado, o vazio de projeto, a aridez de sonho. Está mais próxima da impotência do que perto.
Evitam-se o pior, o feio, o sujo, o anti, preferindo-se a isso o melhor, o belo, o luzidio, o favorável. O liso ao que se mostra cheio de aresta.
O positivo então se constitui ele mesmo num negativo por operação inversa, fazendo do benéfico o prejuízo, do proveitoso o malefício, da felicidade a infelicidade