Ciro Gomes: "Dino vai brilhar no Supremo Tribunal Federal"
Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
Ciro Gomes: "Dino vai brilhar no Supremo Tribunal Federal"
Ex-ministro elogiou a indicação de Flávio Dino para vaga no Supremo, mas ponderou que o ministro terá de superar "questões práticas que não são simples nem triviais"
Para o pedetista, o chefe da pasta da Justiça no governo Lula vai ter desempenho brilhante na corte, mas deve enfrentar dificuldades durante uma fase de adaptação.
“Acho que Dino vai brilhar no Supremo, embora vá sofrer uma transição que vai exigir dele muita delicadeza e habilidade”, projetou Ciro.
Ainda de acordo com o ex-candidato à Presidência em 2022, esse ajuste inicial que se impõe a Dino vai se dar porque “é indisfarçável que ele vai chegar ‘sob suspeição’ (aspas a pedido do entrevistado) de ter sido um político indicado pelo Lula”.
Na mesma conversa com a reportagem, Ciro também comentou o cenário de disputas dentro do PDT no Ceará, hoje sob tensão do embate entre o senador Cid Gomes, mantido no comando estadual da legenda trabalhista por decisão do STF, e o grupo do deputado federal André Figueiredo.
“O Camilo tomou o PSDB do Tasso pra não deixar o PSDB participar das eleições (em 2022), o Camilo tomou o PSB do Dênis (Bezerra) porque veio com Roberto, o Camilo aliciou o PSD e agora avança sobre o PDT”, declarou Ciro na entrevista, concedida após assistir a debate com o pesquisador da USP e jornalista, Bruno Paes Manso, com participação de Preto Zezé e mediação do jornalista e colunista do O POVO Ricardo Moura.
O POVO – Como o senhor avalia a indicação de Flávio Dino para o STF?
Ciro Gomes – Eu tenho o privilégio de conhecer muito bem, ter sido colega (na Câmara) e ser amigo do deputado federal, que foi governador, senador e ministro. Acho que ele vai brilhar no Supremo Tribunal Federal, embora vá sofrer uma transição que vai exigir dele muita delicadeza e habilidade. Porque é indisfarçável que ele vai chegar “sob suspeição” (aspas a pedido do entrevistado) de ter sido um político indicado pelo Lula. São questões práticas, que ele vai saber delas se desvencilhar, mas não são simples nem triviais. Se ele tiver essa transição, ele será um grande ministro, sem dúvida.
OP – Acha que essas dificuldades são superáveis?
Ciro – Acho porque ele tem formação jurídica, foi juiz federal, foi presidente da Associação dos Juízes Federais, sabe direito muito profundamente. Você vai vê-lo brilhando na sabatina, se derem oportunidade. Na sabatina mesmo ele já vai ter que driblar o antagonismo bolsonarista porque, como faccioso, digamos assim, do nosso lado, ele acabou escolhendo esse lugar de campeão do enfrentamento do bolsonarismo. E isso gerou um ódio grande a ele.
OP – Em tese ele herdaria processos que dizem respeito ao Lula e a Bolsonaro.
Ciro – Esse é o primeiro grande desafio. Vamos ver como ele se comporta diante disso.
OP – A gente tem visto alguns ataques criminosos em areninhas em Fortaleza. Como analisa a realidade da segurança hoje no Estado?
Ciro – Eu estava falando com um dos mais brilhantes oficiais da PM do Ceará, que é o coronel Passos, que basicamente estamos vivendo, para o mal e para o bem, o que São Paulo viveu 25 anos atrás. Uma instabilidade no domínio do território, multiplicidade de organizações criminosas e facções, e o homicídio explode por conta disso, dessa instabilidade no domínio. Isso, entretanto, ainda revela a fragilidade. O que aconteceu em São Paulo? Demoraram tanto tempo impunes, que acabaram juntando uma montanha incontável de dinheiro, e aí, a partir disso, eles precisam de uma certa paz, embora uma paz sob terror, para poder lavar esse dinheiro. É o que está acontecendo lá. Aqui nós ainda temos chance de desbaratar isso, mas não estou vendo nada acontecer.
OP – Como estão as relações do senhor dentro do PDT?
Ciro – Não estou participando muito disso, não. As pessoas usam o meu nome para uma coisa e pra outra. Eu acho tudo isso uma grande bobagem, porque, na minha cabeça, o “partido do Palácio da Abolição”, que eu já chefiei, é que está fazendo esse jogo todo. Se você olhar como eu olho, profissional que sou, experiente que sou, o Camilo tomou o PSDB do Tasso pra não deixar o PSDB participar das eleições, o Camilo tomou o PSB do Dênis (Bezerra, ex-deputado federal e ex-dirigente pessebista) porque veio com Roberto (Cláudio, em 2022), o Camilo aliciou o PSD e criou 17 secretarias de Estado. É um Estado completamente loteado com traços de corrupção e roubalheira infelizmente generalizados. E agora avança sobre o PDT. É simples esse jogo. Eu não fiz porque acho uma deformação da sociedade civil. A ideia de ter o monopólio do poder, de não ter uma oposição, já fez muito mal historicamente ao Ceará e já está fazendo muito mal ao Estado. Vocês é porque estão ocupados com coisas do dia a dia, mas, se você pegar os indicadores de violência e os indicadores de fuga de presidiários, são todos recordes. Se você olhar, o produto industrial do Ceará caiu 7%, a pior queda do produto industrial do Brasil. Se você olhar a questão fiscal do Estado, que era primeiro lugar em investimento em termos per capita proporcionais e o terceiro em termos absolutos, descemos para um dos últimos lugares. O estado está se deteriorando a todos os olhos. Enquanto isso, o que é que se faz? Uma anestesia absolutamente geral de tudo que é expressão da sociedade civil, inclusive a imprensa. Um jornal como O POVO, que tem uma tradição republicana, importante para o Ceará – nem sempre foi meu aliado; quase nunca foi, pelo contrário, mas sempre prestou um grande serviço –, está calado. Por quê? Por que está calado, o que está acontecendo? A preocupação com o desenvolvimento industrial do Ceará não faz parte mais das preocupações? Onde nosso povo vai trabalhar? A presidente da Fraport esteve aqui em Fortaleza e declarou que foi o pior aeroporto de todos os aeroportos que a Fraport administra no mundo. O julho passado foi o pior julho dos últimos dez anos. A Gerdau estava aqui há 42 anos e foi embora. A Guararapes estava aqui há 40 anos e foi embora. Isso não é possível. Isso ninguém quer ver? Voltando à sua pergunta: diante disso, o que deve fazer o PDT? Deve dizer amém porque meia dúzia de pessoas que estavam no governo do Tasso, estavam no meu governo, estavam no governo do Lúcio, estavam no governo do Cid, estavam no governo do Camilo e estão no governo Elmano querem isso? Não são essas pessoas que fizeram a história nem que fazem a história do Ceará, não. Esse é o equívoco do senador Cid Gomes.
OP – Como vê essa decisão do Supremo que manteve o senador Cid no comando do PDT? Foi uma decisão correta?
Ciro – Claro que não. Primeiro, um juiz da Fazenda local no Ceará não tem ingerência sobre decisão nacional de um partido. E o que faz o ministro Toffoli? Simplesmente dá validade a uma decisão que é completamente estúpida, estapafúrdia e nula a pleno direito. Agora, isso é uma coisa esquizofrênica, se o amigo me permitir, e de novo não acredito que vai sair na imprensa, porque é uma irracionalidade o que tem acontecido no Ceará. Como é que pode alguém reunir os prefeitos, mandar embora todos do partido, reunir os deputados, dar carta de anuência pra todo mundo sair e pretender, via judicial, continuar presidente dessa organização? Não passa na sua cabeça alguma coisa errada, não?
OP – A Petrobras recuou da privatização da Lubnor (Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste).
Ciro – Conseguimos. E só nós lutamos, o Governo do Estado não fez absolutamente nada. Eu, que fiz a Lubnor no meu governo com dinheiro do povo do Ceará, é que fui à luta. Me lembrei que eu tinha cedido terrenos da Prefeitura, inclusive meio que na marra, pra poder fazer o embrião de uma refinaria de petróleo no Ceará – porque ela é uma refinaria, a maior fábrica de asfalto do Brasil é a nossa. E aí fui ao Sarto, e o Sarto botou o dedo no suspiro. Conseguimos.
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