"Se houver anistia a Bolsonaro, a próxima onda autocrática vai ser mais perigosa", diz professor
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
"Se houver anistia a Bolsonaro, a próxima onda autocrática vai ser mais perigosa", diz professor
Conrado Hübner Mendes lança obra em Fortaleza nesta quinta-feira, 29, no auditório da reitoria da UFC, a partir das 18h30
Foto: Divulgação
Conrado Hübner Mendes, professor de Direito da USP
Professor de Direito Constitucional da USP, Conrado Hübner Mendes avalia que, na hipótese de concessão de qualquer benefício com intento de anistiar Jair Bolsonaro (PL) por sua participação em trama golpista, o risco à democracia deve se potencializar.
“Se houver leniência, absolvição ou formas disfarçadas de anistia, a próxima onda autocrática vai ser mais perigosa. A carreira política de Bolsonaro é produto de 30 anos de leniência à delinquência política. A continuidade dessa leniência, a essa altura, pode fechar a democracia”, responde o pesquisador.
Autor de “O discreto charme da magistocracia – vícios e disfarces do Judiciário brasileiro”, que sai pela editora Todavia, Hübner Mendes lança a obra em Fortaleza nesta quinta-feira, 29, a partir das 18h30, no auditório Antônio Martins Filho, na reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Em entrevista ao O POVO, o docente traça um panorama das relações no Judiciário, com ênfase no que chama de “magistocracia”. Segundo o professor, “há um descalabro ético no Judiciário, que se concretiza na normalização de práticas que configuram grave conflito de interesses”.
Num dos textos do volume, por exemplo, afirma que “magistocracia rima com pornografia”, explicitada nas “práticas obscenas do Poder Judiciário mais caro do mundo”.
Noutros, Hübner Mendes faz uma espécie de radiografia do mundo privado de magistrados, que se regalam em regabofes aqui, no Brasil, e alhures também, para além da metrópole lusitana, onde os interesses jurídicos e econômicos se encontram em desavergonhada cópula, mal encoberta pela toga do dia a dia.
O POVO – “O discreto charme da magistocracia” (editora Todavia) livro cobre um período largo, de 2010 até 2023. Qual retrato do Judiciário emerge desse painel?
Conrado Hübner Mendes – Há o retrato geral, ainda que fragmentado em colunas com certas ênfases em certos aspectos e não em outros, de um judiciário que continua a aprofunda práticas patrimonialistas, de um lado, ao mesmo tempo que também expande seu papel na sociedade e na política brasileira. É possível falar em conquistas, em decisões transformadoras, mas o livro dá maior ênfase aos graves problemas e à incapacidade de o judiciário em geral, e as cortes superiores em especial, de se reformar, de fazer a autocrítica. Há um descalabro ético no judiciário, que se concretiza na normalização de práticas que configuram grave conflito de interesses. Nada é exatamente novo, só é mais profundo, mais grave, e afeta a possibilidade de democratização do país.
O POVO – Há, nas crônicas-artigos, uma espécie de radiografia das relações do que o senhor chama de “magistocracia”. Como ela se caracteriza?
Conrado Hübner Mendes – A magistocracia é uma fração de agentes da justiça, e uma fração certamente hegemônica ideológica e politicamente, que se caracteriza como autoritária, por violar direitos; autocrática, por violar a independência judicial; autárquica, por rejeitar controle social; rentista, por investir grande esforço em formas ilegais de acumulação de benefícios para além do teto; e dinástica, pelas formas que encontra de usar o cargo para beneficiar familiares. Essa é uma caracterização geral. Nem todo juiz ou promotor é um magistocrata. Nem todo magistocrata é igual nesses cinco atributos. Mas é possível dizer que eles resumem de forma fidedigna as principais características desse modelo de corrupção institucional.
O POVO – O que escondem essas manobras “de disfarce” que os agentes do Judiciário operam, dentro e fora do Brasil, em festas privadas e convescotes para poucos, sobretudo tendo o poder econômico como parceiro e interlocutor?
Conrado Hübner Mendes – Eu me interesso mais pelo que essas práticas escancaram do que pelo que elas escondem. Porque festas privadas, entre outros modelos de encontro, são geradores explícitos de conflitos de interesse, de exercício de influência e lobby, para não falar de formas indiretas de remuneração de juízes (levar a família para Nova York com tudo pago é uma forma ilegal de presente). Óbvio que um conceito de corrupção nos ajuda a iluminar o que está sendo praticado. E nem estou falando de compra de sentença, uma forma mais vulgar de corrupção. O que esses encontros escancaram e normalizam é mais grave que esse tipo de corrupção, não menos grave. Mas não temos tido nem força nem clareza para caracterizar essas práticas como corruptas, muito menos controlá-las.
O POVO – O senhor acabou se tornando alvo (juridicamente, inclusive) de uma parte das figuras a quem faz alusão em seus artigos. Como avalia essa reação de personagens importantes do mundo do Judiciário?
Conrado Hübner Mendes – Os ataques, intimidações e ações que sofri são uma modesta evidência do caráter autoritário das profissões jurídicas, que confirma esse atributo da “magistocracia”. E também uma compreensão tosca da liberdade de expressão e da reputação como bem jurídico.
O POVO – Num dos textos, escreve que “juiz morre pela boca”, referindo-se ao hábito pouco saudável de magistrados de antecipar entendimentos. O que esse tipo de conduta revela sobre o STF, principalmente, ainda que não se trate de algo limitado à corte?
Conrado Hübner Mendes – Revela quebra de decoro, quebra de rituais de imparcialidade, e, mais especificamente, violação a princípios legais de ética judicial. Não é só anti-ético, é ilícito. Juízes não devem antecipar juízos, mandar recados, dizer como o Congresso deve agir. E mesmo que ele diga que não está antecipando, como uma espécie de salvo conduto que dá a si mesmo, não significa que ele não esteja fazendo exatamente isso.
O POVO – O ex-presidente Jair Bolsonaro reuniu aliados na avenida Paulista na tentativa de se blindar. Acredita que essa mobilização tem poder para alterar de alguma maneira o andamento dos processos já instaurados contra ele?
Conrado Hübner Mendes – Acho que é uma forma conhecida de Bolsonaro querer intimidar o STF. Fez isso de modo recorrente quando presidente. Agora o fez novamente para mostrar a força do apoio que tem. O meu prognóstico eventual não tem valor maior do que o prognóstico de ninguém, portanto prefiro não fazê-lo. Só gostaria de ressaltar que é importante ficar atento à importância de que o STF não se deixe impressionar e mantenha a posição de rigor na aplicação da lei. Porque, se houver leniência, absolvição ou formas disfarçadas de anistia, a próxima onda autocrática vai ser mais perigosa. A carreira política de Bolsonaro é produto de 30 anos de leniência à delinquência política. A continuidade dessa leniência, a essa altura, pode fechar a democracia.
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