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Sarto e Evandro trocam de lugar
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Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.

Sarto e Evandro trocam de lugar

Candidato à reeleição, Sarto tem assumido, no forma e no discurso, o papel oposicionista
Tipo Análise
JOSÉ Sarto (PDT) e Evandro Leitão (PT)  (Foto: Ludmyla Barros/O POVO)
Foto: Ludmyla Barros/O POVO JOSÉ Sarto (PDT) e Evandro Leitão (PT)

O prefeito José Sarto (PDT) colocou em prática uma operação que vem tendo algum sucesso até aqui e que implica uma troca inusitada de papéis. Candidato à reeleição, o pedetista adota, pelo teor e pela forma de seu discurso, uma inclinação oposicionista, como se não lhe coubesse fazer a defesa de 12 anos de administrações. Nessa estratégia de deslocamento, o prefeito transfere o peso do desgaste do governismo para Evandro Leitão (PT), a quem cumpre sustentar a fadiga da máquina estadual. Logo, a intenção de Sarto é capturar o espírito do eleitorado, seduzido por essa gramática mudancista, desincumbindo-se do posto de representante da continuidade e se mostrando visual (o Sarto da "Juju") e conteudisticamente ("a mudança não pode parar") como o postulante que encarna a alteração do status quo, mas sem levar em conta que esse truque (fazer-se passar por novidade sem sê-lo) é facilmente desmontável. O fato de que não tenham conseguido deve-se menos à eficácia da tática do que às falhas nos planos daqueles que pleiteiam o Paço.

Evandro numa incômoda "situação"

O presidente da Assembleia, por sua vez, tem aceitado até de bom grado essa pecha de "situação", tanto pela cadeira que ocupa como chefe do Legislativo quanto pela carga que leva para a corrida ao se converter nesse jogador cujo principal capital é na verdade o alheio: o de Camilo Santana, Elmano de Freitas e Lula. Daí que o rótulo de "continuísmo" seja mais fácil de pespegar em Leitão do que no prefeito, que é, a rigor, o rosto desse projeto que peleja para se manter no poder, dando sequência aos dois mandatos de Roberto Cláudio. Se quiser ter chances num 2º turno, Evandro tem de contornar essa arapuca, devolvendo a Sarto a antipatia da continuidade e assumindo ele mesmo a sintaxe da mudança. Do contrário, valer-se apenas da promessa de alinhamento talvez não seja suficiente para vencer a batalha contra outros nomes que se apresentam como sinônimos de rebeldia e experiência.

Codinome: "Tapioca"

Reproduzidos à exaustão durante a passagem de Jair Bolsonaro por Fortaleza no último fim de semana, os jingles de André Fernandes fazem alusão a um personagem alcunhado de "Tapioca", mas não nomeado. Trata-se de um enigma. Num deles ("Tchau pro Sarto"), a música registra: "Zero opção, não tinha candidato. Ou era o 'Tapioca' ou então era o Sarto", sugerindo que o cenário narrado recupera o pleito de 2020, quando Sarto enfrentou Wagner no segundo turno. Noutra peça, a letra também menciona "Tapioca" ("André que geral vota"). Procurada, a assessoria de Fernandes disse não saber a quem o termo jocoso se refere, no fim da contas.

COMUNICADOR Silvio Santos morreu no último sábado(Foto: ROBSON FERNANDJES)
Foto: ROBSON FERNANDJES COMUNICADOR Silvio Santos morreu no último sábado

Uma nota sobre Silvio Santos

Silvio Santos carreia sentimentos conflitivos, seja como o comunicador cujas imagem e voz emolduraram a paisagem cultural de 1980 e começo de 1990, seja como o empresário que plasmou as ambições do patronato brasileiro naqueles anos de hiperinflação e desigualdade abismal. Evocá-lo é reaver um passado no leito do qual a televisão constituiu uma noção de brasilidade, mas também compreender que ninguém como SS modelou os desejos aspiracionais de progresso de uma classe empobrecida cuja audiência projetava em seus programas ("Porta da Esperança", "Baú da Felicidade", "Show do Milhão") e em seus bordões ("quem quer dinheiro?") uma espécie de antepassado do jogo do tigrinho, ou seja, um passaporte para um mundo longe da precariedade. Silvio era a promessa (simpática, mas falsa) do sonho redentor ao final do arco-íris, acenando com a distribuição arbitrária (aviões de dinheiro voando) do que ainda hoje é concentrado.

 

Foto do Henrique Araújo

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