Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.
Das frutas da árvore divina, sem dúvida a mais comercial, a mais venal, a tudo e a todos ofertando uma suposta essência (dos recheados aos dindins e picolés), a tudo e a todos enganando desde crianças
Foto: Reprodução/Instagram @micheleconfeitaria
Morango do amor
Mesmerizado com tanta repercussão, me pergunto por que o morango do amor caiu nas graças do algoritmo das redes, e não a uva da indiferença, a seriguela da paixão ou o maracujá da raiva.
O caqui da inveja, por exemplo, também tem lá o seu apelo estético-gastronômico, assim como a banana do enfado e o abacate do ódio, a melancia da preguiça e o murici do descontentamento.
E o que dizer da goiaba da maledicência e do abacaxi do tesão?
Nenhum houve por bem granjear meia dúzia de likes nestes tempos de uma febril imediaticidade internética.
Nenhum logrou produzir fotos sob o mesmo ângulo atraente de um morango suavemente seccionado em diagonal, suas camadas revelando-se como um segredo de alcova tão bem guardado, as sementinhas pontilhando aqui e ali como sardas nas maçãs do rosto.
Mais importante: nenhum manipula a audiência com a mesma habilidade e soft power de um morango, pronto a disfarçar seu azedume pessoal com camadas e mais camadas dulcíssimas e outros estratagemas do tipo, tal como se vê agora.
Mesmo a pitomba, vejam só, uma fruta tão simpática na sua miudeza e sabor, tão adorável e discreta, tão simples e pobremente esférica. De ninguém pede nada, a ninguém exige o que quer que seja, apenas que a descasquemos com paciência.
Gosto de pitomba, tenho de admitir, e gosto mais ainda de gostar de pitomba.
Gosto de como soaria “pitomba do amor”, mais telúrico do que com o morango, convenhamos.
Gosto de imaginar a pitomba na sua versão açucarada, polvilhada de sabe-se lá que temperos, mas também na sua qualidade única, sem ornatos gourmet nem adornos gustativos.
Apenas ela, redonda e lisa, deslizante e traiçoeira, com sua casca grossa que reveste um interior de carnadura delicada, pele fina recobrindo o caroço anguloso que, ao menor sinal de distração, enfia-se goela abaixo, instalando-se mansamente no estômago, para desespero de pais e mães.
Eis a pitomba, então, pequena, malcriada e imprevisível, mais afeita a sentimentos como a intempestividade etc.
Ao contrário do morango, de natureza servil e doméstica, pronto a emprestar seus predicados aristocráticos a quem lhe ofereça mais.
Das frutas da árvore divina, sem dúvida a mais comercial, a mais venal, a tudo e a todos ofertando uma suposta essência (dos recheados aos dindins e picolés), a tudo e a todos enganando desde crianças, sugerindo um miolo adoçado quando, em verdade, não passa de mais uma matéria cítrica.
Não surpreende que tenha novamente roubado a cena, já que incansavelmente à procura de holofotes, posando para mil e um cliques em fotos de reportagem, estampando notícias como um astro de cinema, vendendo gato por lebre, esgotando-se nas prateleiras e fazendo o consumidor mais abestalhado correr ao mercado para pagar 100 reais numa bandeja de frutinhas.
Mas não importa. O dia da pitomba há de chegar, com ou sem amor.
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