Logo O POVO+
Adultização dos adultos
Foto de Henrique Araújo
clique para exibir bio do colunista

Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.

Adultização dos adultos

Tipo Crônica

Fenômeno de fácil percepção exatamente por sua raridade, a adultização dos adultos precisa estar na ordem do dia nestes tempos de bonecos para maiores de 18 anos e literatura "young adult", num alargamento do que se entende por "adultescer".

Veja-se o caso dos Labubus, por exemplo, criaturas horrorosas de dentes serrilhados e orelhas de coelho figurando como acessórios, estampando camisetas e sendo disputadas a tapa por um exército de jovens na casa dos 40 anos dispostos a pagar uma fortuna por sua traquitana.

Se o apocalipse climático ou o genocídio em Gaza se mostram incapazes de cimentar um afeto de pertença global ou planetário, o mesmo não se dá com o Labubu, cuja mensagem rapidamente se alastrou, consumida como produto e crença porque, ao fim e ao cabo, não querem dizer nada mesmo, não remetem a nada, não pretendem nada, exceto se reproduzir como signo de uma estética desencarnada - espécie de conforto existencial num mundo desamparado.

Esses brinquedos se constituem da mesma matéria impalpável das animações produzidas por IA, estranhamente irreais, tais como a "Ballerina Capuchina", uma bailarina com cabeça de xícara que se tornou viral na rede oficial do nosso avançado processo de deterioração mental: o TikTok.

O que isso tem a ver com o imperativo da adultização dos adultos? Tudo. Os Labubus, tão ao gosto dos mais velhos, repetem uma fórmula já vista, a dos Funko Pop, artefatos destinados a uma faixa etária sem fronteiras, que vai dos 15 aos 45 anos, isto é, uma adolescência forçosamente ampliada da qual o mercado se vale para dilatar o seu alcance no mesmo núcleo familiar (os filminhos de herói ainda estão aí para comprovar a tese).

Mas fossem apenas os bonecos, e a situação estaria sob controle. O déficit de adultização dos adultos se nota, porém, quando até mesmo a literatura se permite uma versão para adultos com baixo teor de adultização e tendo o conforto espiritual como meta.

Um dos nomes para essa coisa é "romantasia", um híbrido de fantasia e romance que caiu nas graças de um espectro mais crescidinho, esses Peter Pan cuja eterna infância é determinada compulsoriamente por razões de compra e venda. Não estranha que, mais uma vez, o gênero tenha se convertido em moeda corrente naquela plataforma dos gatilhos ansiogênicos.

Disso deriva toda sorte de discurso anti-intelectualista e obscurantista e também esse elogio persistente da leveza e da facilidade como necessariamente boas. Se é leve, é bom. Se é bom, é leve. O fundo é obrigatoriamente ruim, e o ruim tende a exigir mais tempo e dedicação, mais energia e mais abertura para o diferente - exatamente o que ninguém tem.

Um dos efeitos colaterais desse quadro é a onda de demissões de críticos (de artes plásticas, cinema etc.) e sua substituição gradual (no limite, a obsolescência da função crítica) por esse tipo de profissional (o influenciador) cuja métrica é pedestre, plana, transparente e deliberadamente epidérmica, alheia a qualquer região de penumbra e sem complexidade que possa extrapolar essa "cartilha Labubu".

 

Foto do Henrique Araújo

Política como cenário. Políticos como personagens. Jornalismo como palco. Na minha coluna tudo isso está em movimento. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?