Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.
Há dias me vi enfastiado com os hábitos da aldeia, sobretudo com esse traço passivo-agressivo mal dissimulado de conversas privadas que não se tornam públicas, as entrelinhas de um palavreado que jamais ousa dizer o seu nome, os malabarismos retóricos para fazer prevalecer esse feitio buarquiano no qual os interesses, por conflitantes que sejam, mantêm-se festivamente.
O cearense é, a rigor, um artista da acomodação política, um Picasso do encaixe de ocasião, um Magnus Carlsen no desaplaudido exercício da bajulação em tempo integral.
Nessa república cabocla de "nepobabies", tudo se passa como se reinasse a sensaboria, as tensões estão apaziguadas e as nervuras, contidas. Mesmo os ímpetos e os jogos concorrenciais de poder se dissimulam no quadrante nativo. É um traço epocal, cultural ou contextual?
Tome-se o intelectual que se expressa lançando mão do verbo e do repertório mais refinado, de mil e um amavios, mas com a gramática recobrindo tudo com essa penumbra arestosa. Afinal, não se sabe do que fala, mais ou menos como faço agora, quando se pode supor que ou se trata disto ou daquilo, deste ou daquele, desta ou daquela.
Um professor mais antigo e de língua afiada costumava dizer que é uma marca da província o maldizer e o malquerer, mas nunca em público, nunca a uma audiência de mais de duas pessoas, visto que as querelas se preservam à luz da alcova, as desavenças se solucionam mediante acordos de bastidor, as alianças se governam por um regime cujas regras se elaboram no alheamento da maioria, em território cediço, particular, pessoal e intransferível.
O mestre então acrescentava que isso se devia a uma fragilidade da arena pública local, ao adoecimento da esfera por meio da qual as ideias circulam, que, em nosso caso, está mais sujeita às pressões dos encastelados, dos locatários do poder e dos amancebados da monarquia de ocasião.
Talvez sim, talvez não, eu respondia desconfiado, já predisposto a imaginar que o buraco é sempre mais para baixo e que a formação de uma inteligência conformada não é algo que se produza da noite para o dia, mas obra de duas ou três ou quatro gerações de gentis relações entre o pensante e o mandante, isto é, requer disciplina para o doce ato adulatório.
O resultado é um estado falimentar do circuito crítico cuja vista grossa evita sábia e espertamente as aporrinhações do dia a dia, desviando-se com elegância de uma e outra, onde cada um se compraz com a administração de seu quinhão de influência e de seu torrão de fazenda-modelo para tocar, ao menos até que o ciclo se esgote e outro o substitua, quando terá de fazer uma nova remodelagem de interesses e reposicionamento de figura pública, reaparecendo no mercado simbólico com outras vestes, mais ou menos chamativas, a depender do gosto em voga.
É uma pândega, diria Alan Neto, que entendia tão bem de política quanto de futebol.
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