Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.
Circulando pela festa, copo na mão, esbarro no político e o cumprimento com um aceno de cabeça. "Boa noite", ao que responde com um "boaaaa noiteeeeee" cuja pronúncia engrolada sugere adição prévia de álcool na corrente sanguínea, o que não é um problema, já que estamos todos ali para o baile de fantasias, é sábado à noite e faz calor.
E quando digo todos, falo de todos mesmo: do ex-senador ao ex-governador, do deputado federal ao vereador, da nata do empresariado caboclo metido em polo branca e mocassim ao influenciador com roupa alva e folgada cujo "dress code" não consigo traduzir senão em palavras de estupefação.
Todo mundo de cabelo penteado, cheirando bem, o rosto esfuziante, mas sem aquela oleosidade miasmática das 3 da manhã, quando encontro um parlamentar e ele levanta o uísque e propõe um brinde ao Ceará e ao Brasil e também ao continente, afinal há motivos de sobra para soçobrarmos alegria, não é mesmo?
"Hoje vou enfiar o pé na jaca, é melhor já ir se acostumando!", gritou para o alto, gargalhando e piscando o olho esquerdo, legendando sem necessidade a expressão "já ir" com palavras em caixa alta (notei que ele havia aplicado uma membrana fosforescente nos dentes serrilhados com esmero, porque seu sorriso de pronto iluminou o ambiente, como se fosse um sabre de luz do lado progressista da força ou a fachada de uma farmácia recém-inaugurada).
Dez segundos depois, no entanto, uma nova roda se formou, desfazendo-se em seguida e se misturando a uma outra, numa dança de interações que me deixou nauseabundo e me sentindo obsoleto, como costumo me sentir nessas ocasiões de frenética conversação entre pessoas que partilham um habitus que não é o meu, me levando a despender esforço excessivo para falar a língua do p.
Mas aí, do mais absoluto "neida", como diz minha sobrinha empregando uma corruptela sem sentido, pesquei de orelha involuntariamente uma conversa intrigante. "Coisa cabulosa", alguém sussurrou, "mas é isso, vamos pra cima deles, não tem recuo".
Pelo perfil do grupo (um quarteto de empreendedores de meia idade cujo papel é formular planos de investimento de longa duração), aquilo no ato fez acender a luz amarela, obrigando-me a ativar o modo aranha na parede: discreto, porém atento, em aproximação vagarosa e decidida para não assustar a presa em demasia.
Sobre o que tratavam? Eu não fazia ideia, mas, pelo tom e pelas expressões entre sérias e consternadas, embora estivessem numa festa de forró com atrações que se sucediam sem que parecesse que a música havia mudado, tinha soado como algo sério. Pelo menos foi essa a impressão que tive vendo-os ali, com ares de carbonários prestes a investir contra o próximo processo licitatório.
A essa altura, todavia, admito que eu mesmo já falava engrolado, sem discernir fantasiados com mandatos de meros civis em missão antropológica.
Política como cenário. Políticos como personagens. Jornalismo como palco. Na minha coluna tudo isso está em movimento. Acesse minha página
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