Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.
Um ataque como o que se viu ontem, então, atinge esse capital de que o Ceará se orgulha
Foto: FERNANDA BARROS/O POVO
Coletiva do governador Elmano de Freitas em Sobral, palco da tragédia que matou dois jovens estudantes
Não há dúvida de que o assassinato de dois jovens dentro de uma escola estadual em Sobral escancara uma gangrena para a qual o governo não tem encontrado solução, a despeito de investimentos em tecnologia/inteligência e operações performáticas de saturação que não produzem melhoria infraestrutural nos territórios.
E, a rigor, nem tem tanta relevância assim o fato de que o município da região norte, palco da matança, é vitrine do modelo de educação replicado no país e ativo político manejado pelo grupo de Elmano de Freitas e de Camilo Santana, ministro da Educação. O caso dessa quinta (25) expõe múltiplas falências, e isso é o mais sério.
Uma delas é a conversão do ambiente educativo em extensão das áreas em disputa entre facções pelo comércio da droga, sem que o estado consiga exercer mando de campo. Se foi em Sobral ou noutra cidade cearense, pouco importa a esta altura, sobretudo para as famílias cujos filhos saíram de manhã e estão mortos agora.
A tragédia dentro da tragédia
Outra dimensão do problema é a tese, rapidamente vazada pelas autoridades a cargo da investigação, de que a presença de balança de precisão e outros artefatos com uma das vítimas atenua o caráter brutal do episódio - quando se trata exatamente do contrário, ou seja, essa informação adicional confere a tudo uma camada a mais de complexidade, já que obriga a pensar na escola como parte já incorporada ao ecossistema do crime e à mercê de sua lei. Que se considere trivial que um dos alunos traficasse nesse espaço e que por isso tenha sido executado é a tragédia dentro da tragédia.
O orgulho cearense
Mas, às vésperas de uma eleição, mesmo a morte tende a se politizar. E aqui, sim, convém situar a representatividade de Sobral para os planos de continuidade do grupo que governa o Ceará desde 2006, sem interrupções (Cid Gomes, Camilo Santana, Izolda Cela e, finalmente, Elmano). Mais que vitrine, a cidade é berço da política pública mais exitosa de uma geração que remonta a Cid e cujos desdobramentos asseguraram as condições para que Camilo fosse alçado ao MEC, nacionalizando de vez o sucesso do laboratório sobralense.
Não é exagero concluir que não haveria Cid ou Camilo sem a experiência de Sobral. Um ataque como o que se viu ontem, então, atinge esse capital de que o Ceará se orgulha. Não foi ofensiva individual, como a história da balança faz crer, sugerindo que as vítimas eram na verdade membros de facção. Foi demonstração eloquente do poder de fogo dessas organizações, desta vez contra símbolo desse ciclo: a escola.
Rastro de sangue
A leitura que a oposição faz, claro, é essa segundo a qual, embora o Estado tenha avançado no campo da educação e acumulado pontos com um modelo de alfabetização bem-sucedido, o descalabro na segurança ameaça jogar por terra todos esses ganhos, para além do seu estrago imediato, que se reflete em números de mortos.
Assim, os governos se veem diante de um esgotamento para o qual não conseguem encontrar saída. Mais uma vez, o caso de Sobral é ilustrativo de uma lógica de demarcação no mapa do Ceará, com imposição de uma reorganização espacial implacável. Essa redistribuição de forças, antes restrita a Fortaleza, chegou também aos municípios de médio e grande porte, refazendo as dinâmicas urbanas e alterando os hábitos. Um deles é esse: ir e voltar do colégio.
Banais, esses itinerários foram redefinidos com base no local de moradia dos estudantes. Pesa a filiação do espaço a esta ou àquela facção. O resultado é uma guerra aberta pelo controle das rotas e das rotinas, na esteira da qual os limites invisíveis nos quais as escolas se encontram é que decidem quem morre e quem vive.
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