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Bolsonaro muda discurso, deixa críticas à quarentena de lado e se concentra na defesa da cloroquina
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Bolsonaro muda discurso, deixa críticas à quarentena de lado e se concentra na defesa da cloroquina

Em novo pronunciamento, o quinto em menos de um mês, o presidente Jair Bolsonaro voltou a defender o uso de cloroquina contra a covid-19.

Em cadeia nacional de rádio e TV, o chefe do Executivo disse que, “após ouvir médicos, pesquisadores e chefes de Estado de outros países”, passou a divulgar, “nos últimos 40 dias, a possibilidade de tratamento da doença desde sua fase inicial”.

O presidente então se referiu ao médico Roberto Kalil, que admitiu ter se tratado com o medicamento após diagnóstico positivo para a infecção e se curado.

“Cumprimentei-o pela honestidade e compromisso com o Juramento de Hipócrates”, continuou Bolsonaro, “ao assumir que não só usou a hidroxicloroquina, bem como a ministrou para dezenas de pacientes”.

Mais sóbrio do que o habitual, Bolsonaro deixou de lado os ataques à quarentena decretada pelos governadores para se concentrar na defesa da cloroquina.

Essa parece ter sido a intenção do presidente com o pronunciamento: reforçar que, desde o início, defende o largo uso do medicamento e um isolamento vertical ou brando, sem sacrificar o setor produtivo.

A modulação no discurso de Bolsonaro tem dois objetivos: jogar para os gestores estaduais a responsabilidade pelas perdas financeiras que virão. E demarcar terreno caso o remédio se mostre eficaz contra a covid-19.

Assim, Bolsonaro poderá dizer, mais adiante, que antecipou o cenário e, caso o ministro da Saúde o tivesse ouvido e determinado recolhimento apenas parcial e recomendado a prescrição do medicamento já nas etapas iniciais da patologia, o Brasil não teria perdido tantas vidas e dinheiro.

Essa é provavelmente a retórica presidencial dos próximos meses, a depender obviamente da evolução da curva de contágios e mortes no país, em franca escalada agora.

Sem eficiência comprovada, a cloroquina se converteu em bote salva-vidas de Bolsonaro depois de duas ou três semanas de intenso desgaste durante as quais o mandatário viu sua popularidade despencar e a de governadores e prefeitos, subir.

Importante lembrar, todavia, que a referência ao medicamento na fala do presidente sempre fez parte de uma argumentação contra o isolamento social adotado por países mais afetados pela pandemia, como Itália e Espanha.

Desde o começo dessa crise sanitária, o comportamento de Bolsonaro seguiu a linha de minimizar a infecção, tratando-a como “gripezinha” e “resfriadinho”. Em meio à pandemia, o presidente convocou e participou de atos, desrespeitando protocolos internacionalmente adotados.

Enquanto pode, o chefe do Executivo travou uma disputa com governadores sobre decretos de restrição de atividades e circulação. Tentou desfazê-los a todo custo, liberando a volta ao trabalho, mas foi impedido por decisões judiciais.

Trunfo recorrentemente sacado em suas declarações públicas, a cloroquina era uma peça importante, mas não a única, na tese segundo a qual a pandemia “não era tudo isso que estão pintando”.

Agora, porém, o quadro mudou, e Bolsonaro de fato tenta fazer crer que o sucesso da cloroquina será o seu sucesso, com vitoriosos de um lado e derrotados do outro, numa polarização que, na prática, jamais existiu, mas que repete o mesmo modus operandi já empregado noutras ocasiões desde que assumiu o comando do país.

Para a narrativa bolsonarista, pouco importa se a cloroquina já era empregada e receitada por médicos a seus pacientes diagnosticados com a doença. Interessa espalhar a falsa ideia de uma conspiração para esconder que existe uma cura para a patologia, o que não é verdade.

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