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O pior papel de Regina Duarte
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

O pior papel de Regina Duarte

Tipo Análise
Regina Duarte aceita convite e assume a Secretaria da Cultura (Foto: ARQUIVO)
Foto: ARQUIVO Regina Duarte aceita convite e assume a Secretaria da Cultura

A atriz Regina Duarte desempenhou o seu pior papel à frente da Secretaria Especial da Cultura do Governo Federal.

No cargo, limitou-se a aquiescer às canetadas do presidente Jair Bolsonaro, que a desautorizou e expôs publicamente, seja desfazendo atos da artista, seja nomeando para postos na unidade nomes que a desagradavam, como o de Sergio Camargo, da Fundação Palmares.

De sua curta e novelesca passagem, de pouco menos de três meses, não resultou nada concreto: nenhum projeto encaminhado ou aprovado, nenhuma demanda atendida, nenhuma política fortalecida. Pelo contrário.

Nesse período, o país acumulou perdas, entre elas as de Moraes Moreira, Rubem Fonseca e outros estandartes da cultura nacional, diante dos quais Regina Duarte deu de ombros, mantendo-se em silêncio por receio de incomodar o setor mais hidrófobo que apoia o presidente.

A secretária esteve sob holofotes apenas em dois momentos antes de sua demissão: quando assumiu o cargo e proferiu o já famoso discurso do “pum do palhaço”.

E, dali a alguns meses, quando, entrevistada pela CNN, ensaiou e cantou trechinhos da marcha “Pra frente Brasil”, trilha sonora do autoritarismo do regime militar setentista do qual ela se mostrou não apenas saudosista, mas incentivadora.

Afinal, a gestão a qual a atriz emprestou o brilhantismo de sua trajetória televisiva é entusiasta desses signos dos tempos de exceção. Desse modo, é possível dizer que Regina estava em casa ao lado de Bolsonaro.

Por que o casório não vingou, então?

Porque o presidente pode desposar ou enamorar-se, mas o seu coração está mesmo enterrado naquele solo mais fértil do olavismo, ali onde a guerra cultural é uma agenda palpitante e nunca saciada.

Mesmo conservadora e “namoradinha” desse espírito verde-oliva, Regina Duarte não era suficientemente terraplanista.

Nesse mundo plano, portanto, a gravidade ideológica agiu por conta própria, e a secretária caiu.

Na queda, porém, ainda houve por bem incumbir-se de um derradeiro papel, encenando uma farsa com lances pitorescos, tudo gravado e compartilhado.

Ao lado do chefe, em frente ao Planalto, apresentou-se em modos adocicados, rindo à larga e perguntando ao ex-capitão em tom jocoso se ele a havia fritado, como a imprensa, a grande vilã, alardeara.

Claro que não, devolveu o cônjuge, já previamente informado de que a auxiliar lhe reservaria essa deixa no teatrinho da despedida.

E foi assim que o matrimônio entre a atriz de “Roque Santeiro” e o presidente canastrão se desfez: com falsas juras de amor eterno.

Foto do Henrique Araújo

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