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Reforma Tributária e promessas não cumpridas
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Hugo de Brito Machado Segundo é mestre e doutor em Direito. Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET) e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Professor da Faculdade de Direito da UFC e do Centro Universitário Christus. Visiting Scholar da Wirtschaftsuniversität, Viena, Áustria.

Reforma Tributária e promessas não cumpridas

A regulamentação ainda nem foi aprovada e inúmeros conflitos já se anunciam, a evidenciar a ingenuidade, ou a carência de boa-fé, de quem assim recusava ajuda de quem tinha experiência no assunto.
Tipo Opinião
Entrega do Projeto de Lei Complementar de Regulamentação da Reforma Tributária do Consumo à Câmara dos Deputados (Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda)
Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda Entrega do Projeto de Lei Complementar de Regulamentação da Reforma Tributária do Consumo à Câmara dos Deputados

 

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Semana passada o Poder Executivo apresentou ao Congresso o Projeto de Lei (PL) destinado a regulamentar a Reforma Tributária, revelando que as promessas que enfeitavam o discurso feito em sua defesa não serão cumpridas. Como dizia meu saudoso pai, que por mais de sessenta anos estudou Direito Tributário, toda reforma se faz sob a promessa de tornar o sistema mais simples e menos oneroso, mas sempre tem o efeito inverso. É o caso.

Só pelo tamanho se poderia dizer que o PL é inconstitucional. Mais de trezentas páginas. Quase quinhentos artigos, e inúmeros “anexos” onde se escondem diversas surpresas. E isso depois de se emendar a Constituição para lá estabelecer que o sistema tributário deve ser simples e transparente.
Mas essa não é a pior parte.

Alguém poderia até dizer que, apesar do tamanho, a lei diz respeito a um tributo (IVA-Dual) que substituirá vários (IPI, ICMS, ISS, PIS e COFINS). Depois de longa transição, tornará desnecessário conhecer as inúmeras leis que regulam cada um desses tributos, sendo que no ICMS elas se multiplicam em 27 estados, e no ISS, em milhares de municípios. Depois de dez anos talvez se tenha alguma simplificação.

Ruim mesmo são as restrições a não cumulatividade. O tributo terá alíquota altíssima, em torno de 27%, mas se diz, em contraposição, que o empresário poderá abater “créditos amplos” relativos ao que tiver sido cobrado em etapas anteriores da cadeia.

Essa era promessa antiga, feita (e não cumprida) em relação ao ICMS, ao PIS e a COFINS. Veio só o aumento da alíquota, mas, quando se tratou de reconhecer os créditos das incidências passadas, começaram as restrições. O crédito passa a ser visto como um favor, do qual contribuintes gananciosos se querem locupletar.

No projeto apresentado pelo Executivo para regulamentar IVA-Dual, é isso que ocorre. Inúmeras despesas legítimas de quem exerce atividade econômica, previamente tributadas, como gastos com treinamento ou com a saúde de sócios e empregados, não gerarão abatimento, além de se abrir espaço para, por regulamento (ou seja, sem lei), se criarem mais restrições.

Exigir-se-á, do contribuinte que pretender o abatimento, a prova de que nas etapas anteriores já houve o efetivo pagamento (algo que está fora de seu controle). Enfim, restrições e complexidades que aumentarão a carga, e os conflitos.

E isso para não referir os aspectos processuais, e os relacionados à divisão dos recursos arrecadados entre estados e municípios, pontos tão problemáticos que foram reservados para outro PL, que os técnicos envolvidos em sua elaboração ainda nem conseguiram concluir.

Aguarde, leitora, mais surpresas, e novas promessas não cumpridas.

Isso só me lembra alguns economistas entusiastas da reforma, recentemente rebatendo críticas feitas por tributaristas aos projetos em discussão. Acidamente afirmavam que os críticos “estão contra porque são advogados e vão perder mercado: tudo vai ficar tão simples e claro que os conflitos vão acabar!”.

A regulamentação ainda nem foi aprovada e inúmeros conflitos já se anunciam, a evidenciar a ingenuidade, ou a carência de boa-fé, de quem assim recusava ajuda de quem tinha experiência no assunto.

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