
É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
Eu lembro da primeira vez eu sentei diante de um computador. Tinha oito anos e estava matriculada no colégio das freiras. O laboratório de informática era uma novidade, coisa fina, dois alunos por micro. Criada diante de telas, eu nunca tive sérias dificuldades para lidar com as tecnologias do cotidiano. Fiz curso de datilografia para aprender as sequências asdf e jklç. Era e ainda é divertidíssimo. Novos aplicativos, mundo digital, troca de informações e essas coisas todas que fazem a vida ser mais prática e o meu grau de miopia crescer a cada ano.
Fico impressionada, entretanto, todas as vezes que observo mamãe e papai - aos 68 anos e aos 78 anos, respectivamente - mexendo com maestria em seus celulares. Meus pais possuem um tipo de inteligência invejável. Não falo sobre diplomas bestas ou sobre escolarização. É aquela agilidade mental, certo desejo de entender o novo, jeito para fazer assimilações e acomodações - até o Jean Piaget ficaria boquiaberto, tenho certeza. Algo que eu desejo para a minha velhice é ter a sorte grande de continuar com a mente aberta, desenvolta.
Mamãe é uma fiel usuária do YouTube. Tem os canais favoritos, mas não acompanha a partir das notificações - pois "enchem muito o saco". Quando quer consumir um conteúdo, ela vai lá, procura, encontra e acessa. Há os youtubers favoritos para aprender artesanato com tecido, receitas culinárias e também para assistir palestras de temas variados. Com o celular ao lado, já inventou estojo para guardar fones de ouvido, suporte pra panela quente e outras tantas peças miúdas. Tudo muito útil. É que depois da aposentadoria, quando a máquina de costura deixou de ser sustento, a Lene viu, enfim, a oportunidade de encontrar lazer naquilo que já foi trabalho. E eu fico pensando em mim mesma, que tenho a escrita como labor: será que algum dia, no futuro, vou ficar escrevendo textos soltos em papéis avulsos só por diversão?
A minha relação com o digital é diferente da forma como os meus pais interagem. Eles não possuem a urgência desenfreada para saber da vida do outro ou para responder mensagens no exato instante. Em alguns sentidos, eu acho mais saudável. Papai usava aqueles celulares com teclado aparente e lanterna - que, inclusive, são bem difíceis de adquirir atualmente. Mas havia um aparelho encostado, modelo de 2016 e ele insistiu que iria aprender. Eu não achava tão possível, mas foi. Claro, antes de conseguir manipular o celular com autonomia, o Coêlho bloqueou chip, mudou a data e a hora, ligou para dezenas de pessoas sem querer, perguntou a mesma coisa repetidas vezes até que eu perdesse a pouca paciência que me resta.
Estar na casa ao lado e ver os meus pais envelhecerem é um privilégio. A nova mania de papai é fazer fotografias com a câmera do celular. Eu, que ganhei a primeira cybershot aos dezoito anos, acabei acostumando com a magia de registrar o momento presente. Quando quero matar saudades de anos passados, vou nos arquivos do instagram para saber onde estava naquele dia há dois anos, há três anos, há cinco anos. E quando a saudade aperta, eu não tenho vergonha de admitir que vou lá passar a linha do tempo dos amigos e dos ex-amores. Papai, entretanto, nasceu na década de 1940. Tem uma ou duas fotografias da própria mocidade. Agora, ele bate retrato da árvore mais frondosa, das nuvens, das mangas-rosa. Fez algumas fotos do José Heitor, neto de sete meses quase completos. Olha as imagens na galeria do celular várias vezes ao longo do dia. Olha novamente antes de dormir para se despedir.
E, mesmo quando o menino acabou de sair de sua casa, papai abre a imagem na tela do celular para contemplar as mãozinhas pequenas e o sorriso sem dentes: "já bateu a saudade".
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