
É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
Meus amigos sempre perguntam como é a vida de professora. Entre o desdém e a descrença há bastante curiosidade sobre o ambiente sala de aula. As perguntas se intensificaram nos últimos tempos após a personagem Selma de Niêta (@selmadenieta) ganhar projeção nas redes sociais. O ator e humorista Jorge Luiz, embasado no Cariri Cearense, grava áudios virais, espirituosos e bem-humorados sobre o cotidiano docente. "Deixe ela" virou um bordão regional e é reproduzido não apenas no instagram, mas também nos corredores das escolas e das secretarias de educação.
Deixei a redação de jornal em 2019 para me dedicar integralmente ao magistério. Antes disso, eu me desdobrava em uma jornada dupla entre escrever matérias e mediar leituras, ir para pautas e planejar aulas. Desde então, minha vida está resumida em planilhas do excel, rateios e precatórios, material escolar novo, nebulização com soro fisiológico e criação de estratégias. Às vezes, tudo que eu quero é dizer um sonoro "me deixa" para o mundo. Pois, em geral, quem fala mal da profissão docente nunca entrou em uma sala para mediar processos de aprendizagem e estabelecer diálogos.
Na maior parte do tempo, o magistério é incrível. Existem altos e baixos como todos os ofícios, claro. Chegamos cansados em casa, perdemos a paciência com o chefe e temos sono na segunda-feira. Entretanto não é nada diferente das outras profissões. O capitalismo é assim mesmo. Aliás, falando em capital, também não somos pagos com amor, mas com o piso do magistério de R$ 4.420,55.
Certa vez, estava aplicando uma atividade chamada "baladinha" - trabalhando questões de língua portuguesa a partir de músicas de piseiro e de forró. Sala de nono ano do ensino fundamental. Cai na besteira de perguntar se havia algum aluno versado nas artes da vaquejada. O menino levanta o braço dizendo que é, sim, um ótimo vaqueiro. "—Tia, ele tá mentindo, ele nunca andou nem de carroça".
Estudantes não mentem. Não adianta. São sinceros e entregam uns aos outros facilmente.
Eu acredito em todas as histórias que me contam sobre a sala de aula - da monitora que quebrou o cóccix grudando decoração no quadro até a menina incendiando o cabelo com isqueiro e o menino que levou um pombo vivo de presente para a professora. Tudo acontece. E, por isso mesmo, esse espaço consegue ser tão irreverente e encantador. Sala de aula não é um inferno - como eu costumo escutar de pessoas que nunca lecionaram e não possuiriam essa capacidade nem em mil vidas. Sala de aula é, sim, ambiente de experimentação, de desenvolvimento, de criatividade e de expectativas.
Para além das histórias engraçadas, a docência envolve criar estratégias de aprendizagem. Cada ser humano assimila os conteúdos de forma diferente. Por isso, um mecanismo único não vai dar conta de uma sala com vinte cabeças, trinta cabeças... É preciso traçar metodologias para fazer todos acomodarem a oração subordinada, o realismo, o uso da vírgula, o parnasianismo. E entender também os valores emocionais. Alunos têm sentimentos aflorados típicos da idade. Alunos amam e odeiam.
Alunos captam quando gostamos ou não gostamos deles. E retribuem em igual medida.
Eu poderia, ainda, falar muitas coisas sobre o magistério. As planilhas com níveis de desempenho, a arte de elaborar distratores nas avaliações, os descritores, o letramento digital, as disciplinas eletivas, a transversalidade. Mas, agora, a única frase que faz sentido é: me deixa, que eu sou professora.
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.