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Ler e escrever
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É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.

Ler e escrever

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Aprendi a ler e a escrever na Escolinha Abraço Fraterno. O nome é uma graça, mas tem um significado potente: uma escola muito pequena onde crianças eram acolhidas para realizarem a alfabetização.

Diferente dos métodos atuais, nos quais os estudantes são submetidos a processos mais interessantes e arrojados de letramento, a tia Gláucia ensinou primeiro as vogais, depois as consoantes e, por fim, as famílias de sílabas. E eu tinha uma cartilha com dois mascotes: uma menina usando vestido rosa e um menino usando calção azul! Éramos crianças enfileiradas repetindo o bê-á-bá.

Ler e escrever foi a maior revolução da minha vida. Hoje, eu sou repórter, digitadora, professora, artesã, apresentadora de podcast, costureira – além de tantas outras profissões e papéis sociais. Mas, antes e além de tudo isso, eu sou uma pessoa que lê e uma pessoa que escreve. Tia Gláucia gostava de fazer audiência de leitura. Eu tremia inteira, meu coração parecia um tambor descompassado. Enquanto os coleguinhas estavam fazendo as tarefas, era preciso ir até o birô e ler as fábulas e as parlendas. Depois, a professora fazia algumas perguntas sobre o conteúdo do texto para garantir o entendimento. A minha leitura astuta era inversamente proporcional à qualidade da minha letra. Garranchos ininteligíveis que deixavam as freiras da escola possessas...

Letramento parece algo básico, mas infelizmente ainda não é. No Brasil, segundo os dados desatualizados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) 2019, são mais de 11 milhões de analfabetos – contabilizando pessoas com mais de 15 anos. É como se todo o estado do Paraná não soubesse ler. São brasileiros e mais brasileiros que vão ter dificuldade em atividades básicas do cotidiano: pegar um ônibus, ir ao mercantil, entender um receituário médico.

Comecei a refletir sobre o meu próprio processo de alfabetização quando uma amiga do trabalho assumiu uma turma na Educação de Jovens e Adultos, a famosíssima EJA. Alfabetizadora de mão cheia e uma das profissionais mais dedicadas que conheço, ela enfrenta sérias dificuldades na sala de aula ao encontrar pessoas de 25 anos, 43 anos, 65 anos e até 80 anos que nunca foram formalmente apresentadas a uma letra a. Não sabem escrever o próprio nome. E as narrativas são diversas: “meus pais tinha condição, mas eu nunca quis prestar”, “eu precisava trabalhar no roçado e não tinha tempo pra coisa de escola”, “engravidei e abandonei os estudos”, “minha família nunca me incentivou”.

Minha querida amiga pensa em atividades diversas que possam elevar o nível da turma. Fazemos cartazes, cortamos letras, imprimimos testes. É preciso ter doses de paciência e, também, saber motivar os adultos. As aulas acontecem no período da noite, quando os trabalhadores já estão cansados. Eles copiam do quadro, chamam a professora de “tia” e se divertem na hora do intervalo. Já disseram que o cardápio da merenda escolar – composto por sopas deliciosas - está aprovado. A maioria dos matriculados alimenta o grande sonho de finalizar o ano letivo sabendo traçar o seu nome completo. Mas tenho absoluta certeza de que eles irão além! Muito além!

 

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