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Dez anos sem você
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Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é mediadora de leituras, jornalista e professora. Realiza ações no âmbito da leitura, desde 2016, em Fortaleza e na Região Metropolitana. É especialista em Literatura e Semiótica pela Uece. Autora dos livros Pitaya e das obras experimentais Vitamina D, Querida Anne e Retalhos. Aos domingos, quinzenalmente, é possível ler as crônicas da Bel no Vida&Arte, caderno do O POVO

Dez anos sem você

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Em memória de Maria Eliane Rodrigues de Oliveira

Já devem ser mais de dez anos, mas simplesmente parei de contar. Depois que a dor encontrou um lugar confortável para permanecer instalada, não faz sentido ficar marcando as datas - primeiro aniversário sem você, quinto dia das mães sem você, oito anos que você morreu, nove anos sem sentir o teu abraço.

Tenho saudades, Lia. Muitas saudades. E penso no teu riso diariamente. Às vezes, imagino como as nossas vidas teriam sido diferentes com você aqui. Nossas: a minha vida, a vida da Nana, a vida do Júnior, a vida do Carlos. Nós viajaríamos juntos? Nós patinaríamos na neve e dançaríamos no telhado? Também especulo a tua opinião sobre variados assuntos: a crise climática, a ascensão da extrema-direita, a escalada do tiktok, a estética de Bebê Rena, o disco da Taylor Swift.

Nos cenários hipotéticos, você sempre aparece sentada no chão de ladrilho hidráulico conversando com as netas que nunca conheceu. Pois, no fim, os diplomas, os concursos e os empregos têm pouco ou nenhum valor diante de um domingo repleto de brincadeiras. As meninas sabem o teu nome e a tua importância, obviamente. Mas, para elas, você é apenas uma ideia. O quadro bonito na parede mostra a avó que morreu cedo demais e virou estrelinha.

Desde aquele 25 de julho de 2011 - quando sai correndo do quarto ao ouvir gritos desesperados na rua - tenho a sensação permanente de que algo está faltando. E está. E vai continuar faltando. Nos meus anseios mais profundos, alguém chega e entrega um número de telefone: "liga que a Lia vai te atender". Ou aponta para uma escada com o convite: "sobe que a Lia tá te esperando pra conversar".

Engraçado, pois sei exatamente quais palavras você diria: "vai viver, Belzinha, não adianta imaginar aquilo que não pode acontecer, então, filha amada, vai viver". O luto é assim mesmo: começa com a raiva, avança para as negativas, esbarra na tristeza profunda e chega até uma espécie esfarrapada e tranquila de aceitação.

Durante a missa de corpo presente - com a tua matéria diante dos olhos da cidade inteira - o padre falava sobre a mulher austera e discreta conhecida por todos. A professora alfabetizadora de tantos alunos, a docente de educação inclusiva. As pessoas criam cada projeção quando nos conhecem somente na vida pública... Que curioso! Queria rir na frente do sacerdote - mas gargalhar no enterro não seria de bom tom e ele até tinha intenções respeitáveis.

Em casa, você era a pessoa mais animada do mundo, vivia sorrindo e cantando alto, conseguia achar efeito de humor nas videocassetadas, descontrolava o riso quando alguém caia. Foi muito instrutivo passar 21 anos sendo tua filha, mas, acima de tudo, foi muito alegre. E, se o câncer não tivesse pressionado o teu pulmão até as últimas consequências, nós ainda teríamos nos divertido muito.

Com a tua morte, passei a detestar os "dias das" e os "dias dos". São apenas chances para o capitalismo esfregar na nossa cara que não temos mãe, que não temos pai, que não temos namorado, que não somos crianças, que os direitos das mulheres são desrespeitados e que o coelhinho da Páscoa não existe.

Na semana passada, inclusive, foi Dia das Mães. Mais uma vez. Acordei como todos os outros domingos, passei café, coloquei música, hidratei o cabelo. E lembrei de você falando sobre o enterro da própria mãe: "os pássaros cantaram, o sol nasceu, o padeiro trabalhou e o mundo girou". Ninguém parou para a tua dor. Da mesma forma que ninguém parou para a minha.

Foto do Isabel Costa

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