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Muito minha mãe das ideias
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Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é mediadora de leituras, jornalista e professora. Realiza ações no âmbito da leitura, desde 2016, em Fortaleza e na Região Metropolitana. É especialista em Literatura e Semiótica pela Uece. Autora dos livros Pitaya e das obras experimentais Vitamina D, Querida Anne e Retalhos. Aos domingos, quinzenalmente, é possível ler as crônicas da Bel no Vida&Arte, caderno do O POVO

Muito minha mãe das ideias

Eu me tornei quem eu mais amo: mamãe. Adquiri todos os hábitos extenuantes dela. Da coisa mais simples da vida - como não dormir sem deixar a pia impecavelmente limpa à noite - até às ideias mais malucas - como fazer uma festa de aniversário para uma boneca.

Critiquei tanto os gestos, os pequenos prazeres e as invencionices da mamãe, ao longo da infância e da adolescência, que, agora, sendo adulta, a minha língua sangra de tanto que estou mordendo.

Como é que eu achava um absurdo a pessoa fazer um pequeno travesseiro com folhas de camomila e alfavaca para dormir melhor? Gente, é uma ideia de gênio e, quem tiver mecanismos para tal, que faça. Eu durmo tranquila, respiro bem à noite e levanto revigorada.

Quando acordo no meio da noite e sinto o cheiro das ervas inundando o quarto, bate um pensamento: "Cara, eu tô muito minha mãe das ideias". Porém, não sou cópia nem versão melhorada. Eu sou outro ser humano, outro habitante do mundo, com outras camadas e outros desejos - mas escolhi trilhar um caminho de panos de prato alvos, desodorante em creme e fruta cítrica no almoço.

Se eu contabilizar todo o meu tempo de vida, são 36 anos e 1 mês. Destes, sob o mesmo teto, entre idas e vindas, nós duas moramos por 25 anos. Como eu não iria absorver os comportamentos e trejeitos?

A diferença é que, antes, quando bem mais jovem, eu queria cortar o tal cordão umbilical invisível que nos une pela vida inteira. Era birrenta. Fazia tudo ao contrário apenas para desafiar - como a bela adolescente que fui, eu tinha um prazer nato para discordar.

Ainda bem - para a minha sorte - bati a cabeça na parede e o meu córtex pré-frontal parece ter finalmente desenvolvido. Não, eu não quero me distanciar da mamãe. Eu quero absorver todas as características admiráveis, a generosidade pulsante, o jeito bravo de resolver as demandas e até os hábitos de limpeza extrema.

A terapeuta já falou muito sobre isso e, realmente, faz parte do processo: saber que eu sou um ser autônomo e posso trilhar meu caminho rompendo ciclos de gerações e gerações. Tá certo, concordo com a psicologia, mas há algumas coisinhas específicas que vou preferir manter em mim. A parte que mais amo da minha mãe vai seguir comigo. Por livre escolha, vontade e determinação própria.

Antes, eu considerava tudo muito cansativo… Será que precisa mesmo engomar as toalhas, limpar o chão da sala com álcool, ter um pote específico para guardar cada tipo de alimento na geladeira, regar as plantas com água mineral, lavar a casca da banana antes de comer? Sim, precisa sim. E é ótimo, e é vida em abundância.

Sobrou até pra pobre da tangerina - fruta que eu detestava e via mamãe comendo com gosto após o almoço. Agora? Minha boca saliva de desejo só de escrever a palavra tangerina.

Tô tão minha mãe das ideias que até os meus hormônios estão desregulados - iguaizinhos aos dela. A minha glândula tireoide, diz a médica, está meio preguiçosa para produzir T3 e T4. E, nas próximas semanas, após nova avaliação, provavelmente vou tomar o mesmo medicamento que ela usa desde muito e muito tempo.

No mesmo combo - junto da mania de limpeza e do desejo por frutas - vieram os problemas de circulação, a crônica queda de cabelo, o acúmulo de gordura abdominal… Cara, eu tô muito minha mãe das ideias.

 

Foto do Isabel Costa

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