Logo O POVO+
Do paço municipal para a vida
Foto de Isabel Costa
clique para exibir bio do colunista

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é mediadora de leituras, jornalista e professora. Realiza ações no âmbito da leitura, desde 2016, em Fortaleza e na Região Metropolitana. É especialista em Literatura e Semiótica pela Uece. Autora dos livros Pitaya e das obras experimentais Vitamina D, Querida Anne e Retalhos. Aos domingos, quinzenalmente, é possível ler as crônicas da Bel no Vida&Arte, caderno do O POVO

Do paço municipal para a vida

Tipo Crônica

Na primeira vez que vi a Sara, eu estava com um mau humor desgraçado - resultado de demandas acumuladas, noites mal dormidas e qualquer outra coisa que não lembro agora. Nós duas aguardávamos um antigo prefeito de Fortaleza para uma entrevista coletiva. E minha companheira de profissão adicionou o ingrediente mais torturante para quem não está no melhor dia: começou a falar sem parar. Sobre tudo e sobre nada.

Ela falava, e falava, e falava, e falava mais. Eu estava um tanto desassociada, mas pegava uma frase ou outra do discurso. Até que o entrevistado chegou e paramos a conversa - ou seria monólogo? - para fazer nosso trabalho.

Coloquei um sorriso sarcástico no rosto e fiz as minhas perguntas. Meio abusada, meio simpática. O então prefeito já demonstrava impaciência pela arguição. Foi nesse momento que verdadeiramente vi a Sara. Não a pessoa animada que tentava puxar papo por educação e por curiosidade - mas a Sara, de verdade, na sua versão mais autêntica. Ela começou a fazer as perguntas e foi ficando gigantesca. A presença ocupava todo o paço municipal.

O entrevistado, por sua vez, meio constrangido com as indagações tão pertinentes sobre as falhas de atuação do executivo municipal, foi ficando miudinho e mofino. Parecia a cena de um desenho animado… Eu poderia dizer que senti pena dele, mas, não, nós duas estávamos fazendo tão apenas e tão somente o nosso trabalho. E, no jornalismo, não tem pena que água quente não tire.

Quando encerrou o tempo de entrevista, ela saiu em disparada. E foi o meu momento de ir atrás dela falando e falando. Quem é essa repórter? Onde ela trabalha? O que ela vai fazer com tanta informação? Porque ela tá indo embora tão rápido? Como é possível ser tão sagaz?

Ficamos assim: meio atordoadas uma da outra.

Queria ser amiga dela. Não, mais que isso: eu precisava ser amiga dela. Poucos meses depois, ela foi contratada como repórter do O POVO e passou a se sentar, diariamente, ao meu lado. Alternamos entre conversas animadas e períodos de profundo silêncio - talvez a prova maior de intimidade e confiança entre duas pessoas.

Sempre que a Sara entrevistava por telefone, eu encostava a cabeça na bancada e ficava escutando. É bonito observar alguém que a gente ama trabalhando com aquilo que gosta. Mas, mais que isso, ela dava uma aula de jornalismo - na sua forma pura - em todas as chances.

A Sara tem uma maneira didática de ser jornalista e não possui pudores para dividir o muito que sabe. Com ela, eu aprendo todos os dias nas conversas, nas reuniões e quando eu olho pra bancada ao lado vendo a forma como ela dialoga com a Alice e com o Claudinho. Talvez esse partilhar tenha vindo de família. É filha de professores e, muito em breve, vai ser licenciada em Pedagogia.

Sabemos detalhes íntimos da vida uma da outra. Segredos, projetos, sonhos e planos… Dívidas, raivas, frustrações e esquisitices. Reconheço quando ela muda de perfume; e ela sabe quando eu estou zangada só de olhar. Amizade boa é assim: do paço municipal para a vida.

Foto do Isabel Costa

A soma da Literatura, das histórias cotidianas e a paixão pela escrita. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?