Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é mediadora de leituras, jornalista e professora. Realiza ações no âmbito da leitura, desde 2016, em Fortaleza e na Região Metropolitana. É especialista em Literatura e Semiótica pela Uece. Autora dos livros Pitaya e das obras experimentais Vitamina D, Querida Anne e Retalhos. Aos domingos, quinzenalmente, é possível ler as crônicas da Bel no Vida&Arte, caderno do O POVO
Atualmente, eu tenho medo de viajar de avião. Foi um pânico adquirido em 2025 - ano no qual fiz apenas duas viagens e ambas para a detestável cidade de São Paulo. Antes disso, amava embarcar. Não sei quantas dezenas de vezes já viajei de avião - fato que considero um privilégio.
Já cruzei o oceano em busca de aventuras, voando por nove horas sobre o mar (quase) infinito para desembarcar na amável cidade de Frankfurt, na Alemanha. À época, a possibilidade de ficar horas espremida em uma cadeira minúscula tomando água de origem duvidosa me dava até certa alegria.
Hoje, não sei se sou ou serei capaz de repetir o feito. Apenas no último mês, eu recusei viagens para Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais. "Você está louca", escutei. Não é loucura: é medo. E a loucura exige um certo viés de coragem.
A todo instante, penso que o avião pode se esborrachar no chão antes que eu consiga raciocinar. E eu não quero morrer sem saber que vou morrer. Quero uma morte lenta, quase morosa. Quero a possibilidade da despedida, de me desvincular dos livros, de doar - eu mesma - as roupas e os terrenos. Quero produzir um testamento: a casa na praia pra um, o conjunto de copos pra outro.
As últimas viagens que fiz tiveram muitas turbulências e isso, claro, ajudou a construir o meu sentimento de desconexão com o movimento viajante. Enquanto recebia um pacote com duas bolachas salgadas e um copo de refrigerante, o piloto começou a advertir: "alta instabilidade, todos em suas poltronas". Os comissários praticamente abandonaram o serviço de bordo - correndo com seus saltos e roupas vermelhas bem cortadas. Segurei o cinto - como se isso fosse garantir alguma camada extra de segurança - e disparei com ideias desconexas.
Em meio à turbulência, meu único pensamento era o apoio de copos no qual apareciam manchas de uso. Como pode? Diante do fim quase iminente, minha única preocupação era uma nódoa.
Belchior cantou que foi "por medo de avião que eu segurei pela primeira vez a tua mão". Pois foi por medo de avião que eu deixei de dormir na cama fofinha do hotel. Não tem ninguém pra segurar a minha mão. Nunca teve. E acho bem difícil que vá aparecer alguém no futuro. E não vejam isso como um ressentimento. É que tá todo mundo ocupado com as próprias turbulências.
Nas últimas semanas, também estou vivendo em estado turbulento. Tudo está sacolejando sem parar, tudo muda a todo instante. Os planejamentos vão caindo segundo após segundo. E eu vou elencando tarefas mais por hábito do que por serventia. A sensação é de estar em um avião - com o aviso de atar cintos ligado - dando solavancos perenes.
Em meio à turbulência pessoal, também estou agarrada às manchas escuras no porta-copos. Tenho demandado atenção exagerada para questões pífias. Talvez seja apenas uma forma de desviar minha mente dos problemas palpáveis.
Mas, felizmente, tal e qual as viagens de avião, os períodos de turbulência sempre passam. "Isso também vai embora", repito enquanto resolvo uma demanda e outra. No fim, tudo passa. O avião sempre aterrissa em segurança.
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