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As dunas e o fim do mundo
Foto de Izabel Gurgel
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Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.

As dunas e o fim do mundo

"O mundo vai se acabar no ano 2000". Não sei se você ouviu a frase a tempo. Escutei como certeza de-fi-ni-ti-va ali com uns seis anos, de uma pessoa real como a máquina de costura que ela tinha em casa. A mãe de uma colega de escola. Guardei o susto como se guarda uma toalhinha no ir-e-vir do dia, prestando uma atenção que passeia por outras coisas. Essa semana, um amigo postou uma toalhinha bordada assim: "Contando os dias sem saber quantos dias faltam". Às vezes o tempo é um não saber dos grandes.

Já em casa, repeti o que ouvi. Fiz no modo criança que, em silêncio ou não, ainda guardo: afirmando o mundo como coisa sobre a qual a gente (se) pergunta a bem dizer o tempo todo. "O mundo vai se acabar?", quase gritando passo pela porta da rua. "Dona Fulana disse que vai e tem data", o tom mais baixo, o das coisas graves. Nos dois, com o espanto morando nos olhos, espacinhos de caber tudo. Casinhas portáteis. Não cabe, mas eu não sabia.

Estou em Pacoti, ano passado, e o mestre mateiro me conta nos dedos e no almoço corrido o sumiço de cinco tipos de camarão no Maciço de Baturité. "Sumiu o vermelho". Mostra uma planta pra dizer a cor. "Sumiu o curuca, da cor do seu celular, preto, preto, preto. Vivia entre as pedras". Fim dos tempos também para o canela, o pitú e o aratanha. Vai contando e chega na coincidência de veneno no plantio e desaparecimento dos "peixe de casca".

Em um livro sobre Canoa Quebrada, de 1979, página e meia é de nome de peixe. "Se for botar nome de peixe pode mandar buscar papel", diz o pescador. "Já encheu uma folha", diz a mulher dele. Pois parece que o mar secou. Não dá mais a maioria dos peixes citados. "Só não come no mar o baiacuzinho pintado que mata a gente | deste tamaninho!", releio. Tem peixe que "só quer trabalhar pra matar os outros!".

Um rio da minha cidade, Uruburetama, também sumiu. O rio tinha o mesmo nome do amigo da toalhinha bordada. Angelim. O mateiro é José Alves Carneiro, filho de Maria Alves Carneiro e João Carneiro Luz. "Aqui Canoa Quebrada" é o livro da Wanda Figueiredo, da mesma casa materna do Henfil e do Betinho do Brasil Sem Fome, Sem Miséria e Pela Vida. O pescador é Alcides da Rocha Freire, viúvo duas vezes e casado então com Raimunda da Rocha Freire. Agora deu a dúvida se é ela ou a Raimunda "Vovó" Marques que ficou no para sempre de uma fotografia a tirar a areia da duna que invadia sua casa. Mas cheguei às dunas da Sabiaguaba. E acabou o espaço. Tem letra sobrando. Contei direito? Mãe disse que às vezes a gente escuta para desobedecer melhor.

Foto do Izabel Gurgel

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