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Possuidxs por Clarice
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Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.

Possuidxs por Clarice

Andréa Bardawil diz que a gente não lê Clarice. A gente é por ela possuída. Bitu Cassundé encontra uma passagem Leonilson Clarice: o artista visual, a escritora, isso da insistência em bem dizer o íntimo, do íntimo. Um pai, engenheiro e professor, disse-me uma vez, à saída de uma fala nossa sobre a pintora mexicana Frida Kahlo, ele ao lado da filha, que havia dado para ela "O livro dos prazeres - Uma aprendizagem", presente de 15 anos. E perguntou a si mesmo, mas em voz alta: "Será que é o tempo?". Tércia Montenegro estava na roda. Foi tão bonito escutá-lo. No sentido que Clarice diz achar bonito é um modo de entender.

Ana Miranda fez uma biografia da Clarice. É um espanto, diria a própria Clarice. Um dia, ouvi Ana dizer "é uma biografia da alma". Havia acabado de ler Yuxin, o bordado de silêncio palavra susto feito pela Ana, e todos os livros lidos das duas, Clarice e Ana, passaram como um filminho naquelas fendas do tempo que às vezes o tempo abre. Como os vazios profundos que surgem de uma hora pra outra em um banho de mar na Praia do Futuro. Falta o chão. Desestabiliza. Risco de não voltar. Clarice ia, voltava. E anotava tudo. Rastro, lastro.

Miguel Leocádio escreve sobre a criatura leitora a partir da Clarice. Paulo Germano Barrozo de Albuquerque fez um livro sobre ela que faz parte da minha biblioteca ambulante, aquela que cada qual leva consigo, ainda que o livro não esteja às vistas de quem nos vê. Clarice cacimba: não seca. O livro do PG é o "Mulheres Claricianas: imagens amorosas", e realiza na escrita o fino que é no desenho físico. Lâmina a reluzir. Álvaro Leite me disse uma vez que lia com estudantes de medicina da UFC um dos textos nos quais Clarice recria a infância vivida em Recife, o "Felicidade Clandestina", como uma "ética da espera". Abriu-se outra vereda no jardim Clarice que, sentimos, sabemos, não cessa de bifurcar. No tempo.

Foi ler uma mensagem da Cinthia Medeiros, editora do Vida&Arte, que as linhas acima se desenharam, vindas em ondas. O mar, tão Clarice. Poderia passar o dia anotando-as. Virgínia Fukuda bordando o conto "A menor mulher do mundo". Expedita Ricarte, "O Búfalo". Solange Soares deu o título de "A ferida aberta no coração" ao bordado inspirado n"A bela e a fera ou a ferida grande demais". Era a temporada Clarice do grupo Iluminuras - literatura e bordado, da UFC. Das aulas com Lourdes Bernardo, Terry Kay Araujo bordou "Feliz Aniversário". Era 2018. Já já, cem de nascimento da Clarice. Imagino, então, cada uma dessas criaturas leitoras balançando suas memórias de outras criaturas leitoras. Clarice na respiração, cada uma quase pele da cidade. Aquelas esquinas do vento e pontos da rua em Fortaleza de onde se vê o mar sem por ele estar procurando. Assim, espanto susto silêncio palavra. Com um livro Clarice às vistas. E a vista sendo mar. Uma risca. Um risco. E mergulha.

 

Foto do Izabel Gurgel

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