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Em nossas mãos, acender o fogo
Foto de Izabel Gurgel
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Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.

Em nossas mãos, acender o fogo

André Luis Aires Pinto identificou 41 frutas no território Tremembé da Barra-do-Mundaú, sem contar as de quintal, como acerola e mamão. "Na nossa terra tem murici e batiputá: o conhecimento etnobotânico dos Tremembé sobre as frutas nativas" é sua dissertação de Mestrado em Sociobidiversidade e Tecnologias Sustentáveis na UniLab. Com usos na alimentação das gentes e dos bichos, na confecção de artefatos, nas práticas de cura e rituais, a lista completa inclui ameixa, angélica, araticum, azeitona, batiputá, caju, canapum, canela de veado, cardeiro, carnaúba, chichá, croatá, geniparana, goiaba, goiti, guabiraba, guajiru, gulari, grão de galo, jaracatiá, jatobá, jatobá negro, jenipapo, juazeiro, maracá chumbim, maracujazinho, melancia-da-praia, monguba, murici, murici pitanga, mutamba, oiticica, panã, pitomba, puçá, seriguela, trapiá, tatajuba, ubaia amarela, ubaia de porco. Olha como não sabemos.

Na dissertação, ele se refere a cinco sítios arqueológicos identificados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan no território indígena em Itapipoca como de alto valor simbólico para os Tremembé. Reconhecidos como "morada dos antigos", também representadas em olhos d´água e cascudos, dizem da "(...) associação entre cosmologia e território": a liderança Adriana Tremembé sabe da presença dos encantados nos olhos d´água e no mangue, e da importância da defesa do território para mantê-los vivos. André Cita Jeová Meireles, professor da UFC, sobre as cinco unidades de paisagem na região: tabuleiro litorâneo, manguezal, lagoas, campo de dunas e faixa de praia.

Antes da pandemia em curso, estive lá a trabalho. Com o Festival Alberto Nepomuceno, na escola Brolhos da Terra, uma primeira mostra do que fazem as mulheres Tremembé. E de como fazem. Depois, através da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco. Do primeiro sono, acordei com um som seco não identificado. Na cozinha, vi que era facão partindo côco. Nem seis horas, Adriana fazia café no fogão a lenha e, côco ralado, temperava a goma feita na farinhada em mutirão, meses antes. Tapiocas tamanho fome zero, feitas para divisão. A cozinha estava, ela própria, sendo feita em mutirão. Uma encruzilhada, dia todo a passar gente, fogo aceso, panela grande. O acampamento-base, espaço de festa e celebração, onde dormem visitantes, é marco da luta Tremembé no dia-a-dia em defesa da terra comum. Logo seria inaugurada, nas áreas, a Casa de Cura.

Tomara você tenha lido até aqui meu desejo necessidade precisão de afirmar a vida, força movente da Terra, nossa casa comum. Desesperar jamais, diz a canção. Escrevo quarta, três dias antes de ontem, 19 de junho, dia de ir à rua torcendo pelo modo facão abrindo côco, modo acordar e acender o fogo em nome da vida em comum. Pra não morrer do vírus genocida, que gera matança de verdade por meio de um mundo de mentiras.

 

Foto do Izabel Gurgel

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