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O portão mais bonito da cidade
Foto de Izabel Gurgel
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Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.

O portão mais bonito da cidade

O portão mais bonito da cidade afirma a vocação maior de cada portão: deixar passar, fazer passar, ver passar. Faz o convite de todo portão: cruzar o limiar, dar-se à travessia, ir ao outro lado. Embaralhar as cartas e seguir o jogo: o lado de cá e o lado de lá, dentro e fora, permeáveis um e outro. As palavras dizendo as coisas e as coisas tratando de escapar à referência unívoca.

Como o mais comum dos dias, o portão está lá e é irrepetível. Eu o ví pela primeira vez por volta das 13h, que em Fortaleza é hora de luz de um rasgo tão grande que pra ver melhor a gente fecha os olhos, leva a mão à testa modo fazer marquise para os olhos, o desejo celular de alcançar uma sombra mínima se tornando um gesto comum. Tive vontade de morar ali na passagem, às margens do portão-rio, portão-mar.

A mesa da comida estava posta. Sentei-me de modo a manter a epifania que a vista primeira do portão me havia dado. De oferenda, ofertório. O banquete foi todo assim, um olho na carne e outro no peixe, isto é, o portão à vista e eu saboreando com prazo. Demorando-me a olhar o portão do lado de dentro, com o lado de fora se redesenhando. E fruindo (d)o vento nosso que parece ter voltado a Fortaleza depois de uma longa viagem sem nos enviar notícia.

E anda a passear na cidade, ele, o vento. Como a rua passa, passeia no portão assim feito cinema. É a rua se mostrando pelas calculadíssimas aberturas do portão, cortes de jardineiro abrindo a terra para o porvir, plantando hoje e contando que o tempo se encarregará de concluir sua ideia.

Um bloco de cor o portão fechado, visto da rua. A dona da casa dá o endereço sem o número. A numeração está encarnada: "é o portão vermelho", avisa. Um portão-destino. Pelo lado de dentro, o portão é branco. Você que conhece a luz da cidade, brinque aí de ver a luz (re)desenhando o portão ao longo do dia. Saímos de lá às 11h da noite. À luz do para sempre dono-da-casa.

Não tomamos nada alcóolico, por isso digo sem margem de manobra etílica que o portão parecia o mais contente da rua ao ser aberto na risca da tarde se findando e nos vendo brincar com a geometria do qual é feito. Como crianças na praia brincando com o ir e vir das águas a desenhar na areia. Tão efêmero. Efêmeros nós e o desenho dos dias. Pensei: se eu fosse um portão, queria ser um desenhado pelo Sérvulo.

O portão mais bonito da cidade é o da casa-ateliê onde Sérvulo Esmeraldo (1929-2017) e Dodora Guimarães passaram a morar em 2004. Como ela disse aqui n'O Povo, a casa virou museu com ela dentro. É o Instituto Sérvulo Esmeraldo. Ao pé do portão, ofereço aquele pé de jasmim em flor, que você está vendo, ofereço o jasmim carregadinho à Nice (1921-2013), artista de Aracati, cidade com o nome do mais famoso vento do Ceará. Hoje, dia 18, ela faria cem anos. A casa-ateliê onde viveu com o também artista Estrigas é o MiniMuseu Firmeza. Os brasis assim me levam outra vez à rua dia 24: #foragenocida. Bora? Mostro a foto do portão que a Deana Esmeraldo fez e digo onde ele mora.

 

Foto do Izabel Gurgel

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