Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
Um passeio que acho bonito fazer em Fortaleza é aleatório e usufrui do ir e vir das correntes de ar. No Centro, por exemplo, em uma das esquinas com vista para o mar, com a brisa fazendo o que ela sabe fazer melhor: passar. Para aprender com a brisa: seguir. Ali nas áreas da Santa Casa de Misericórdia - Rogai por nós! Ando me benzendo até em placa que evoque qualquer rastro de saída, um mínimo de futuro no presente... Pois ali nas áreas da Santa Casa de Misericórdia, a risca do mar bem na risca dos olhos, dá-se uma das quase instantâneas experiências de frescor. Você se dá conta de que é um corpo. Vivo.
Acha besta? É um rumo que a gente toma, perde, procura, busca, extravia e acha, dispersa, quer guardar. Diz-se que mais do que um sentido para a existência, o que a gente quer é isso de sentir-se vivinha, vivinho da Silva. É pouco? Pois passe agora para você o filme da sua vida e me diga como cenas, sequências e planos de nossos estados de brisa marcam argumento, roteiro, paisagem sonora.
O canto das maritacas ao final da tarde à entrada do Museu de Arte da UFC - Mauc é assim uma brisa. Só um corpo vivo pode dele usufruir. Só um corpo vivo guarda a orquestração com o vento se fazendo visível nas folhas das velhas árvores do Benfica, o Benfica que Arlene Holanda expandiu para mim no livro de bolso sobre o bairro da coleção Pajeú, que Gylmar Chaves toca junto à Prefeitura de Fortaleza. O livro da Arlene é de 2015. Benfica portátil.
Estava anotando o que você lê agora quando recebi a "Canção do vento e da minha vida", Manuel Bandeira (Recife, 1886 - Rio de Janeiro, 1968) via zap. Uma conspiração a favor das alegrias possíveis, conspiração-brisa em tempo de produção permanente de pestilência no ar. Conspirar para seguir quando um jeito oficial de país se autoriza a matar, destruir, devastar e autoriza a matança, a destruição, a devastação em uma escala tal que come anos à frente até do que - e de quem - ainda não nasceu.
Você também tem a sensação de desespero? Desespero aqui vou dizer só com o visível das letras: des, de desfazer, desmentir. O des com o verbo esperar dói que eu não sei como tem sido possível suportar. Agora pegue as pestes que estamos vivendo e imagine o que é viver com elas estando com fome. Oxossi caçador de alegrias, de abundância, é socorro mesmo que estamos invocando, pedindo. Das matas, na mata, a cura. Será por isso o ódio a quem defende vidas de povos da floresta, vidas da floresta? Olha o mundo nosso: ódio à vida, ódio da vida. Passe, Dona Yansã, passe com seus ventos. Conduza ao mundo dos mortos o que está morto. Senhora que trabalha a força da vida, passe, passe, pelos saberes sagrados de quem invoca o divino dançando.
Se você leu até aqui, queria encerrar como Mãe Beata abriu sua fala no Theatro José de Alencar em um dos encontros Divinas Palavras: no palco, invocando políticas da alegria. E convido você a ir ao Mauc. Antes do canto das maritacas, foi um bonito encontro ver o fragmento de árvore-escultura "Rainha", de Agnaldo Manuel dos Santos (Ilha de Itaparica, 1826 - Salvador, 1962), na exposição "Sempre fomos modernos". Não resolve, eu sei, mas, feito brisa, lembra que estamos no mundo é para bem viver.
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.