Logo O POVO+
Um livro de Gilles Diniz
Foto de Izabel Gurgel
clique para exibir bio do colunista

Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.

Um livro de Gilles Diniz

"Nomes de Terra" guarda uma descoberta do mundo e sua invenção pela linguagem
Tipo Crônica

"São tantas as histórias escondidas nos lugares, também nas pessoas, como se guardadas em conchas fechadas. Às vezes, deixam, por deslize, que um corpo estranho adentre seu universo e nele faça nascer uma pérola."

Tomara que você também leia "Nomes de Terra". Li e reli o livro de Gilles Diniz. Antes, ouvimos parte dele à mesa de uma das nossas rotas literárias em curso na biblioteca do Centro Cultural Banco do Nordeste Cariri.

Com "Nomes de Terra", Gilles Diniz inscreve Faia e Pedra no mapa e no dicionário de lugares ficcionais que nós, criaturas leitoras, incorporamos. Bonita composição, memória e criação literária, na cozinha do tempo.

Na pequena Faia, cidade às margens da linha férrea, o narrador é iniciado no jogo da vida, cujas regras só se conhece jogando. "Aqueles anos passados com vovó foram como uma era inteira de aprendizados sobre o mundo".

Entramos na cidade, e no livro, pelo aroma do qual o narrador sente saudades. Vem da cozinha e toma conta da casa, "como uma presença". A avó, um abraço onde "poderia morar para sempre", faz bolo "com uma delicadeza que só os devotos têm por suas divindades". Além do cheiro, o ruído das conversas, inclusive de quem chega como quem nada quer. É possível chegar sem nada querer a uma casa com bolo saindo do forno?

A casa é quase rua. O bom-dia desliza calçada adentro, feito um gato. O narrador é forjado como a avó constrói, uma a uma, as flores de confeito. Maneja o fazer e a aplicação do artifício que, no caso do bolo, finda no céu da boca, um dos paraísos no corpo, ali onde a língua toca. Em Faia, a língua é treinada como um cão. Passeio e caça. Doméstica e devastadora como uma faca.

Depois de Faia, o lugar das primeiras sensações e palavras, a mudança para Pedra, onde tudo que é, canta. A ariramba-de-cauda-ruiva, o rio Itaytera, a chapada outrora fundo do mar. E a memória recriando Faia como um bordado a quatro mãos, o neto e a avó.

"Nomes de Terra" guarda uma descoberta do mundo e sua invenção pela linguagem. Um livro de formação. Leitor das mil e uma noites de Sheherazade que a avó conta de ouvir no rádio, dos silêncios do avô ao crepúsculo, do espanto no cotidiano - bonito e perverso, o narrador enlaça Faia e Pedra como notas musicais em uma sonata. Tudo conta: "Onde quer que se vá é preciso buscar a beleza, o ímpeto de vida".

Livro de viagem, caderno de campo de caminhante. "O livro de Gilles é para ser lido e degustado como um caramelo que se deixa dissolver, sem pressa, na boca. É um dos melhores textos que tenho lido ultimamente", diz José Flávio Vieira no prefácio.

Gilles Diniz é do Ceará. O livro, uma publicação da Urutau, de 2024. Em Fortaleza, tem na Substânsia, à entrada do cinema no Dragão do Mar. Indico o livro e a livraria. Pra seguir na invenção do lugar onde se vive.

Foto do Izabel Gurgel

A soma da Literatura, das histórias cotidianas e a paixão pela escrita. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?