Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
"Sequilho é um segundo. Assa tão rápido. Não dá tempo fechar o forno". Silvanir conta pela idade do filho mais velho o tempo que faz sequilho para venda. Vinte e seis anos. No sítio Peixotos, distrito de Dom Leme, em Santana do Cariri, mantém o forno a lenha. "Faz uma diferença enorme" no "sequilho de três gerações".
Aprendeu "só olhando a mãe fazer". Zuila Josefa de Araújo (1939-2024) tinha restaurante. Um saber ancorado na avó Glória Alves de Araújo (1904-1989), parteira do lugar. O trabalho das mulheres, chão e céu do mundo nosso de cada dia. Silvanir criou assim Jeferson Pablo e Daniel. O filho mais novo tem vinte anos. Sabores da Serra é o nome dos doces e bolos feitos em casa. A antiga Serra do Rogério se chama Dom Leme há quarenta anos.
De batismo Cícera Alves de Araújo, Silvanir apresenta Dom Leme pela fartura. Diz das casas de farinha e apiários, da safra recente, do trabalho de abelhas e apicultores, de mais mulheres que vivem de fazer sequilho e pão-de-ló. Além dela própria, uma vizinha contemplada no projeto São José melhorou as condições do beneficiamento da puba e derivados. Cita a feitura de balaios e cestas de cipó-uva.
O mel de cipó-uva é das transparências douradas de histórias do Oriente. Conheci primeiro o mel. Depois vi a floração, o exalar do cheiro na mata, fazendo da caminhada um modo de acolher o espanto com tudo o que nasce. Por maior que seja o tempo de duração, é curta qualquer existência comparada à dança da vida se tornando outra coisa para seguir. Mandioca, goma, sequilho, céu da boca.
No Cariri, o sequilho faz parte dos comes e bebes da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Faz-se a entronização do sagrado coração, ou dos sagrados corações, do filho e da mãe, dando-lhes um lugar fixo na casa. Na mesma data, a cada ano, faz-se a Renovação do ato. Falei com Silvanir um dia depois da Renovação na casa dela. "Tinha umas setenta pessoas aqui ontem". Reza esperada, festejada.
Silvanir não pila a goma no pilão de madeira, outrora incontornável. Usa processador. "A goma seca tem uns carocinhos." Peneira. Bate as claras à parte. Tira a pele da gema antes de misturá-la à goma, à gordura derretida, ao açúcar. Amassa bem antes de cortar. Usa untadas formas de pizza, mais finas que as de tabuleiro. Faz sequilhos também de sabor amendoim, castanha, gergelim, laranja e maracujá. No calor das brasas, cheiram logo. "Não tem fumaça. A lenha já queimou toda."
Fui à serra por meio do presépio que Sandro Cidrão monta no museu por ele criado, o Museu da Memória Histórica Santanaense, no centro de Santana. Perguntei sobre a cesta em miniatura com sementinhas, ouvi "é de cipó de croapé". Ficamos sem saber que planta era aquela. Um ano depois, de volta da feira da agricultura familiar em Dom Leme, uma das feiras onde Silvanir expõe, o professor me diz "é o mesmo cipó-uva". Prestar atenção às pequenas coisas com as quais se compõe um presépio nos instala em uma conversa infinita. Rendilhado cipoal.
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