Jáder Santana é jornalista e doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Também já foi repórter do O POVO+
Jáder Santana é jornalista e doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Também já foi repórter do O POVO+
Propor uma leitura descolonial de um texto clássico gestado no ventre de uma nação que mais tarde se transformaria ela própria em colonizadora é uma missão arriscada. Um risco que, assumido e superado, acaba por enriquecer a obra de partida, promovendo sua inserção na potência diversa de um amálgama de textos que, tendo como base essa contraposição aos colonialismos (de ontem e de hoje), acabam por se revelar irmãos.
E foi aqui, em Fortaleza, em uma sala do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará (UFC) e no Espaço O POVO de Cultura e Arte, que esse risco foi assumido e sustentado. Realizado no último mês de março, o "I Colóquio Arquétipos do Sul Global: a 'Divina Comédia' entre o Ceará, o Brasil e o Sul do Mundo" desenhou pontes entre nações e obras, alicerçando esses elos no ímpeto subversivo de autores que, em diferentes épocas, decidiram "barbarizar" a hegemonia de suas línguas.
Idealizado pelo pesquisador Yuri Brunello, professor do programa de Pós-Graduação em Letras da UFC, e financiado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), o evento propôs uma leitura descolonial da obra máxima de Dante e lançou a provocação: e se o autor, um florentino que viveu entre os séculos XIII e XIV, pudesse ser visto (em seu texto) como expressão de uma ruptura antropológica fundamental, de uma desarticulação que mais tarde seria desempenhada, por exemplo, pelos escritos "bárbaros" do brasileiro Guimarães Rosa e do moçambicano Mia Couto?
Destrinchar a etimologia dessa "barbárie" é aqui fundamental. Ser "bárbaro" é "gaguejar" na língua do outro. Estranhar. Desarticular. Desconstruir. E então, como nos mostram Dante e Rosa e Couto (e tantos outros, como o maranhense Sousândrade), renovar, rearticular, reconstruir em formações discursivas que mostram ser possível escapar da hegemonia das línguas e surrupiar o poder historicamente concentrado nas instituições opressivas da(s) metrópole(s).
Que seja nossa universidade a sede de debates desse porte, que seja o Ceará o núcleo de encontro e o destino acadêmico de pesquisadores estrangeiros dedicados a pensar, em diálogo com nossos próprios professores e estudantes, a insubmissão de textos literários nascidos em suas nações e sua capacidade de interlocução com nossos textos, diz muito sobre as potencialidades e possibilidades de nosso ensino superior em sua dimensão de pesquisa. Vai ao encontro do que escrevi em uma coluna de janeiro último sobre a importância de garantir recursos adequados para nossas instituições de ensino e fomento.
Uma última coisa: o professor Yuri Brunello organizou e publicou, pela editora Pimenta Cultural, um livro digital que reúne todas as falas realizadas durante o evento de março. O acesso ao eBook é gratuito e o download pode ser feito neste link.
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