Inio Asano retorna ao Brasil com "A Garota à Beira-Mar"
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Jansen Lucas é coordenador de criação no O POVO, publicitário, designer e artista visual. Dedica-se a escrever sobre cultura com foco em produções de quadrinhos, cinema e literatura, explorando as conexões entre arte, narrativa e mídia em seus trabalhos
Inio Asano retorna ao Brasil com "A Garota à Beira-Mar"
Lançada pela editora JBC, a obra retrata de forma crua a adolescência e a solidão, em um mergulho incômodo nas dores de crescer e se conectar
Foto: Divulgação
Ino Asano, autor de Boa Noite Pumpum, Solanin, Decadência, chega mais uma vez ao catalogo da JBC com sua nova obra Garota à Beira-Mar
Consolidado como uma das vozes mais influentes e distintivas do mangá contemporâneo, Inio Asano se destaca por uma obra que disseca as complexidades da psique humana através do cotidiano ordinário humano.
Suas narrativas, frequentemente sombrias e invariavelmente reflexivas, afastam-se dos arquétipos heroicos para explorar as angústias, os vazios e as contradições de pessoas comuns, conquistando um público que busca profundidade e maturidade.
A trajetória de Asano é marcada por obras que dialogam diretamente com as ansiedades de uma geração. No Brasil, seu nome ganhou força com "Solanin", de 2011, um retrato sensível sobre a transição para a vida adulta e a perda de ideais.
O reconhecimento se aprofundou com o monumental "Boa Noite Punpun" (JBC, 2018), uma jornada épica e devastadora sobre crescimento, depressão e trauma. Em seu trabalho, o ordinário é o palco para o extraordinário drama interno.
Nesse contexto, a recente publicação de "A Garota à Beira-Mar" (Umibe no Onnanoko), em volume único pela editora JBC, reafirma a disposição do autor em explorar territórios desconfortáveis. A trama se concentra em Koume e Isobe, dois adolescentes em uma pequena cidade litorânea que iniciam uma relação puramente física.
O que começa como um pacto para aplacar a solidão e as frustrações hormonais rapidamente evolui para uma espiral de dependência emocional, violência psicológica e autodescoberta dolorosa.
Foto: Editora JBC/Divulgação
"Garota à Beira-Mar" é lançada no Brasil pela editora JBC
Asano não faz concessões. A narrativa expõe com honestidade brutal as fragilidades e as pressões sociais que moldam seus jovens protagonistas. Questões como o bullying escolar não são apenas um pano de fundo, mas um catalisador para atos de retaliação e para o endurecimento emocional dos personagens.
A obra reflete, ainda, um aspecto particular da cultura social japonesa: a ausência parental decorrente de uma cultura de trabalho extrema. Essa dinâmica, onde pais passam longos períodos fora de casa, gera um vácuo afetivo que reverbera diretamente no comportamento errático e na carência dos filhos, que precisam navegar a complexidade das relações íntimas sem um referencial sólido.
Apesar de, por vezes, os diálogos e situações flertarem com o que poderia ser visto como um exagero narcisista, Asano demonstra uma habilidade ímpar em conferir naturalidade a esses momentos.
A brutalidade dos sentimentos, a dificuldade em nomear as próprias emoções e as decisões impulsivas soam genuínas dentro do universo caótico da adolescência, onde a percepção da realidade é frequentemente intensificada.
Visualmente, a obra é um capítulo à parte na produção do autor. A arte de Asano combina personagens de traços estilizados com cenários hiper-realistas. Essa justaposição cria uma sensação de estranhamento que espelha o deslocamento dos próprios personagens em seus ambientes.
O mangaká utiliza os quadros e as paisagens não apenas para situar a ação, mas como pausas contemplativas, permitindo que o silêncio e a melancolia dos cenários urbanos reforcem a narrativa introspectiva.
"A Garota à Beira-Mar" não é uma leitura fácil, mas sim uma experiência imersiva e perturbadora. É um estudo incisivo sobre a solidão, a deterioração da inocência e a busca desesperada por conexão em um mundo indiferente. Asano, mais uma vez, prova ser um mestre em transformar o banal em um espelho poderoso e inquietante das ansiedades contemporâneas.
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