Nejishiki – Um mergulho onírico e brutal de Yoshiharu Tsuge
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Jansen Lucas é coordenador de criação no O POVO, publicitário, designer e artista visual. Dedica-se a escrever sobre cultura com foco em produções de quadrinhos, cinema e literatura, explorando as conexões entre arte, narrativa e mídia em seus trabalhos
Nejishiki – Um mergulho onírico e brutal de Yoshiharu Tsuge
Publicação "Nejishiki", de Yoshiharu Tsuge, originalmente publicado em 1968, retorna ao mercado editorial com história desconcertante e provocadora
Foto: EDITOTA VENETA/DIVULGAÇÃO
CAPA COLUNA
Algumas obras não apenas atravessam o tempo; elas o moldam. É o caso de “Nejishiki”, de Yoshiharu Tsuge, publicado originalmente em junho de 1968 na influente revista japonesa underground Garo.
Mais de cinco décadas depois, a história permanece tão desconcertante quanto provocadora, um clássico da contracultura japonesa que rompeu fronteiras estéticas e temáticas.
Lançado no Brasil pela editora Veneta, o volume reúne a célebre narrativa-título e outras dez histórias curtas do autor. São contos que transitam entre o real e o onírico, combinando traços de surrealismo, introspecção e uma crueza, assinaturas incontestáveis de Tsuge.
O que começa com uma premissa aparentemente simples, um jovem ferido por uma água-viva que vaga em busca de tratamento médico em um vilarejo, se transforma em um percurso inquietante sobre deslocamento, alienação e fragilidade humana.
Foto: EDITOTA VENETA/DIVULGAÇÃO
Nejishiki, obra de Yoshiharu Tsuge que revolucionou o gênero chega ao Brasil
A arte de Tsuge é direta, por vezes bruta, mas profundamente expressiva. Seus desenhos oscilam entre cenários detalhados e personagens de contornos quase esquemáticos, criando um contraste deliberado que potencializa o estranhamento. Essa estética reforça o sentimento de suspensão entre sonho e realidade que permeia em todas as histórias.
Outro elemento marcante em “Nejishiki” e nas demais histórias é a presença da violência não apenas física, mas social e psicológica. Tsuge constrói um retrato implícito de um Japão pós-guerra duro e indiferente, onde a marginalização, a precariedade e o abandono se entrelaçam.
A violência contra a mulher, tratada de forma quase banal em alguns contos, também provoca desconforto proposital. Nada, entretanto, é gratuito. A brutalidade revela a complexidade emocional dos personagens e as tensões sociais vivenciadas do período em que as histórias foram escritas.
As narrativas frequentemente parecem fragmentos de sonhos, diálogos desconexos, tempos dilatados e cenas que oscilam entre fantasia e desespero. Histórias como “Desejo na Chuva” trazem atmosferas confusas, quase etéreas, enquanto “Inchaço de Fora” mergulha em questões íntimas como ansiedade e depressão.
Foto: EDITOTA VENETA/DIVULGAÇÃO
Nejishiki, obra de Yoshiharu Tsuge que revolucionou o gênero chega ao Brasil
Tsuge trabalha na fronteira entre realidade e delírio, sem oferecer respostas fáceis, fazendo um convite à interpretação e ao desconforto.
Desde sua publicação, “Nejishiki” provocou reações intensas. Foi estudado por psicólogos, acadêmicos, escritores e artistas, inspirou outros quadrinistas, videogames e até uma adaptação cinematográfica em 1998.
Ler “Nejishiki” hoje é compreender por que Yoshiharu Tsuge permanece uma das vozes mais singulares dos quadrinhos japoneses. Sua capacidade de equilibrar estranheza, introspecção e crítica social coloca sua obra em um território próprio, um espaço em que o leitor se vê forçado a confrontar o desconforto.
É um mangá para quem busca mais do que narrativas lineares: um convite para mergulhar nas ambiguidades da memória, dos sonhos e da condição brutal humana.
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