Descarga elétrica para evitar latidos: dor não é forma de adestramento
Jéssica Castelo Branco é médica veterinária formada pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Fez residência multiprofissional com ênfase em reprodução animal pela mesma Instituição. Atualmente, dedica-se a clínica médica de pequenos animais e é professora de curso técnico profissionalizante para auxiliares de veterinários
Descarga elétrica para evitar latidos: dor não é forma de adestramento
Além das coleiras com choque elétrico, as de tipo "enforcadora" ou "sufocadora" podem trazer repercussões negativas na saúde do pet
Em novembro do ano passado, foi publicado no Diário Oficial do Ceará a Instrução Normativa Nº 18568, que proíbe em todo o âmbito do Estado, a comercialização e o uso de coleiras antilatido que gerem impulsos eletrônicos e/ou descargas elétricas em animais.
O tutor que for flagrado utilizando o colar eletrônico em seu animal poderá ser multado no valor de R$ 1.000. Desde 2019, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei N°1113/2019 que prevê essa proibição em todo o território nacional.
Esses dispositivos, basicamente, disparam uma descarga elétrica quando o cão late e têm a finalidade de “adestra-lo” para que ele não emita mais latidos. Latir, no entanto, faz parte da expressão do comportamento natural de um cão. Privá-lo, de maneira tão violenta, de expressar esse comportamento é ferir de forma direta sua dignidade e o seu bem-estar.
Lembrando que maus-tratos animais são CRIME! A Lei N° 9.605/1998 já descrevia as sanções penais a quem pratica atividades lesivas ao meio ambiente, mas a Lei Nº 14.064/2020 veio para modifica-la e aumentar as penas para 2 a 5 anos, multa e proibição da guarda a quem cometer crime de maus-tratos contra cães e/ou gatos.
Além da dor e das câimbras que o uso dessas coleiras pode ocasionar, o cão encoleirado está exposto ao risco de ter queimaduras, queda de pelo no local, alteração da função cardíaca e, a depender da carga recebida, os nervos do pescoço conectados a medula espinhal e, portanto, a quase todo o corpo, podem sofrer danos, comprometendo toda função motora do cão.
Falando ainda de coleiras, não somente as coleiras de choque podem ser nocivas à saúde do pet, mas também coleiras de passeio do tipo “enforcadora” ou “sufocadora” que possuem um colar de elos. Esses itens vão apertando o pescoço do cão à medida que ele vai tracionando a guia.
Há muitas controvérsias envolvendo a utilização desses acessórios pois alguns profissionais indicam como uma boa maneira de adestrar o cão — principalmente os de grande porte — para não puxar durante o passeio. No entanto, já se sabe que a enforcadora pode causar uma grande pressão na traqueia do cão, podendo ocasionar problemas respiratórios imediatos e a longo prazo, assim como lesões na coluna cervical.
Tanto a coleira de choque, quanto as coleiras do tipo enforcadora, revelam um grande problema que ainda encontramos na criação de cães, que é o adestramento por meio de punição. Num primeiro momento, pode parecer que o cão “aprendeu a lição”, mas a verdade é que essas punições vão aos poucos liberando uma certa quantidade de cortisol, que é o hormônio do estresse e, com o passar do tempo, o cão vai ficando ansioso e muitas vezes até agressivo, o oposto do que é esperado pelo tutor que decide fazer uso desses dispositivos.
Hoje, nós sabemos que a melhor maneira de se adestrar um cão é por meio do reforço positivo, segundo o qual as boas condutas são recompensadas com premiações como petiscos, brinquedos e carinho.
Coleiras do tipo peitoral easy walk e do tipo “cabresto” são ótimas alternativas para evitar puxões durante o passeio, principalmente se o cão for de grande porte. Elas não causam nenhum desconforto na hora do puxão e apenas lateralizam o corpo e a cabeça do animal, fazendo com que ele se volte para o tutor e pare de tracionar.
É recomendado, ainda, para cães que latem muito ou que sejam agressivos, uma avaliação com um médico veterinário especialista em comportamento. Assim, é possível que se descubra as causas desses desvios de comportamento, de forma que esses pets possam ser tratados com a responsabilidade, segurança e dignidade que todos os animais têm direito.
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