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Opinião: A transformação Econômica e Social em curso para o "Novo Normal"
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Redator do blog e coluna homônimos, diretor de Jornalismo da Rádio O POVO/CBN e CBN Cariri, âncora do programa O POVO no Rádio e editor-geral do Anuário do Ceará

Opinião: A transformação Econômica e Social em curso para o "Novo Normal"

"O "Novo Normal" brasileiro, se bem aproveitado e vencida a sanha dos grupos de interesses por privilégios, pode ser um salto quântico para a economia e sociedade brasileiras, dependemos de uma Liderança Forte e de uma Gestão Eficiente e Disruptiva
FORTALEZA, CE, BRASIL, 10-04-2015: Operário trabalha em obras de saneamento básico na avenida Miguel Dias. Obras de saneamento básico em Fortaleza (Foto: Fábio lima/O POVO) (Foto: Fábio lima)
Foto: Fábio lima FORTALEZA, CE, BRASIL, 10-04-2015: Operário trabalha em obras de saneamento básico na avenida Miguel Dias. Obras de saneamento básico em Fortaleza (Foto: Fábio lima/O POVO)

Fortaleza - O economista Célio Fernando B. Melo (mestre em Negócios Internacionais e doutorando em Relações Internacionais) e o economista Pedro Rafael Lopes Fernandes (mestre em Economia, especialista em Avaliação de Políticas Públicas) assinam artigo sobre o chamado "novo normal". Leia a seguir:

O “Novo Normal” tem sido uma expressão frequentemente utilizada para demonstrar que após a pandemia da Covid-19 a sociedade se estabilizará num novo estágio. O “Normal” agora se refere a uma situação passada, já inalcançável, com um estilo de vida, de trabalho, diversão, estudos e experiências que não estará disponível, pelo menos não da mesma forma, em decorrência das mudanças de hábitos, visões, e de práticas necessárias para ao enfrentamento do Coronavírus e sua quarentena global.

O objetivo presente de todas as nações do mundo se converte numa palavra, que de tanto repetida quase tornou-se um mantra: resiliência. É preciso mudar para ser mais resiliente, com maior capacidade de recuperação diante das adversidades. O conceito deriva da física, compreendendo o retorno de um determinado objeto ao seu estado natural. Nas Ciências Sociais, notadamente Economia, onde a resiliência expressa a capacidade de eliminar vulnerabilidades, resistir a choques e assim se recuperar mais prontamente de crises. Economias resilientes dão ignição a reformas que as tornam menos frágeis no futuro. Possuir resiliência econômica significa ter a capacidade de melhorar, tornar-se mais resistente e mais dinâmica a economia após crises. Isto é, o “Novo Normal”, um estágio mais avançado do contínuo processo de desenvolvimento econômico e social.

Os países desenvolvidos sempre foram vistos como resilientes por definição. Entretanto, a crise gerada pela Covid-19 demonstrou graves falhas de gestão de crise, de monitoramento de ameaças, de capacidade de reorganização econômica e social. Países como Estados Unidos, França, Itália e Espanha pagaram o preço por essa deficiência com milhares de vidas no curto prazo.

Líderes em todo mundo agravaram a situação crítica pela inabilidade de articulação e integração. Na Geopolítica internacional a guerra econômica, a nova guerra fria sino-americana, está deflagrada, com potencial de produzir impactos substanciais na futura corrente de comércio.
De um lado, a China com sua estratégia de desenvolvimento global que alcança parte relevante da economia mundial, com investimentos em infraestrutura e maior abertura de tratados de livre comércio. No outro extremo, os Estados Unidos com medidas protecionistas à indústria nacional e empregos para os americanos - a reativação da doutrina Monroe (1823) com remake intitulada doutrina Trump (2016). O governo norte americano, politicamente, acompanha uma tendência do ocidente marcada pelo Brexit e as fragmentações dos Blocos Econômicos do Atlântico Norte. Ou seja, antes mesmo da pandemia do Covid-19, a ordem global já estava em ebulição.

No Brasil, a democracia representativa segue em convulsão. A extrema polarização, onde o esforço para se enquadrar em dogmas ideológicos tem sido maior e mais importante do que a efetividade e eficiência das políticas públicas. Os interesses pessoais e familiares são mais prementes do que o interesse público, onde grupo de interesses, a despeito da crise e do desemprego que se seguirá em decorrência das medidas de contenção social, foca os esforços em ampliar seu conjunto de privilégios e segue aprovando medidas que na prática extrai riqueza dos pobres. Contudo, os programas de renda mínima foram ampliados e alcançaram mais de 50 milhões de pessoas, o que é algo de extrema importância, pois a renda mínima prove recursos à manutenção da vida, principalmente de crianças, que nós enquanto nação temos obrigação de proteger.

Os poderes constituídos não dialogam, tampouco convivem harmonicamente como idealizado por Montesquieu. Na verdade, desgastam a já pouca confiança da população como fiel depositária em disputas intermináveis pelo poder e notoriedade. A independência dos poderes é atacada, seja pelo executivo, legislativo e, ultimamente pelo judiciário a partir do STF, o que fragiliza a autoridade e a independência do executivo e legislativo, e contribui para obliterar a já combalida e estabilidade jurídico-institucional. Se numa crise, a recomendação é misturar com parcimônia liderança e gestão, no Brasil não se encontra disponível, com poder suficiente de ação, nenhum nem outro.

Entretanto a Transformação Econômica do Brasil é possível e, podemos sim, sair da crise como uma das nações protagonistas de uma nova ordem mundial. A pandemia expôs para a sociedade as falhas que até então eram invisíveis a olho nu. A falta de critérios na seleção dos investimentos e gastos públicos, vulnerabilidade quase que inteiramente resultante do fisiologismo, que por sua vez é fruto de um sistema político deformado, de visão míope, obscurecida por eleições a cada 2 anos, onde a visão de longo prazo não importa, e que consequentemente restringi o avanço da sociedade.

Como resultado tem-se que a prática política não se aprofunda nas questões de interesse da sociedade e mergulha em soluções superficiais que atendam à manutenção no poder ou da riqueza de grupos patrimonialistas e corporativistas parasitários do Estado. A escolha do que fazer não encontra prioridades adequadas para emergirmos para o protagonismo. Pois, a democracia brasileira mostra sua representatividade, no mínimo, questionável. A tão sonhada prosperidade é restrita, imobilizada e lançada longe do nosso alcance por esse aparelhamento e pensamento feudal.

Todavia, a transformação econômica e social virá como resultado natural em virtude do esgotamento do modelo vigente. Vamos ter que encontrar as nossas vocações e suprir nossas necessidades por questões de sobrevivência e competitividade global. Premissas básicas dizem respeito ao foco no papel do Estado. As reformas administrativas em Estados e municípios terão que redimensionar a forma de atender aos cidadãos. O serviço público de qualidade requer um governo digital e com mais tecnologia, desburocratizado em seus processos e com mão de obra qualificada, adequadamente remunerada, reorganizada com meritocracia e sem privilégios.

A reforma tributária não é um binômio exclusivo de regressividade ou progressividade nas cobranças de impostos de acordo com a renda. Revê o Pacto Federativo. E, possui muitos outros aspectos envolvidos: como a formação de poupança para sustentar os investimentos, a oneração das cadeias produtivas por incidência equivocada em cada momento de criação de valor, as alíquotas incidentes sob a premissa de aumento de arrecadação empobrecendo a população e oferecendo efeitos inversos pela menor base existente – curva de Laffer etc. A reforma tributária pode ser o instrumento de integração do Brasil às cadeias globais de geração de valor e reordenamento do poder entre os entes federativos.

De maneira geral, é necessária uma reforma extensa no ambiente regulatório, é preciso facilitar e diminuir as barreiras à entrada, revisão e adequação de marcos regulatórios ambientais e de investimento direto estrangeiro. Estas reformas contribuem diretamente para equalização de oportunidades, num ambiente de negócios simples, objetivo e desburocratizado.

A previdência ou proteção social já carece de uma revisão, o que foi possível politicamente é insuficiente para a obtenção do equilíbrio atuarial. Não se avançou na capitalização na esfera federal. Muitos Estados e municípios que não fizeram o seu dever de casa, novamente priorizando o curto prazo em detrimento do futuro da nação, terão que fazê-lo, açodadamente, sob o risco de agravamento dos desequilíbrios orçamentários e paralisação da máquina. O orçamento público com tantos déficits por vinculações e fundos excessivos precisa também de uma reforma.

Essas reformas não conseguem mais ser compartimentadas. Precisam ser discutidas concomitantemente, estabelecendo seus cenários com total interdependência. Reforma administrativa, tributária, previdenciária, orçamentária e novos marcos regulatórios são elementos interdependentes. Avançar a agenda na direção da eficiência e da integridade pública é inescapável se o objetivo é sair da vala comum do colonialismo e deixar de ser o país eterno do Futuro e das maiores disparidades do Globo.
Contextualizado o cenário global e do Estado Brasileiro, o avanço deve encontrar os eixos da transformação econômica.

Em primeiro lugar, a Segurança Alimentar, com a redução da oferta por diversos fatores como produção, logística e estoques, principalmente, volta a ascender ao topo dos riscos globais. O Brasil é um dos principais celeiros no mundo e encontra nessa atividade a sua melhor posição competitiva no mercado internacional. Melhorar as condições de pesquisa sobre aspectos fitossanitários para atendimento das exigências internacionais, reduzir a regulação no ambiente de negócios – inclusive na corrente de comércio, facilitar o acesso ao capital, tornar eficiente a matriz da logística intermodal – portos, aeroportos, ferrovias e rodovias, associar a atividade aos conceitos de sustentabilidade na utilização de recursos hídricos e energias renováveis parecem oferecer um manancial de oportunidades óbvias para o gigante adormecido em berço esplêndido
despertar.

A infraestrutura sanitária, a “obra que ninguém vê”, tem sido a pior vilã da pandemia. Esgotos a céu aberto proliferam todos tipos de doenças infecciosas. Para lavar as mãos e higienizar-se é preciso que todos tenham água limpa em casa. As chuvas inundando casas pela falta de drenagem. O aumento do lixo pelas atividades humanas em situação de isolamento e sem escoamento adequado. A compreensão da urgência que é a Economia Circular para aproveitamento sustentável em uma política urbana dos resíduos sólidos.
Nesse campo, o segundo grande grupo de investimentos necessários, é a universalização do Saneamento Básico – água, esgoto, drenagem e resíduos sólidos. Um volume que em um Estado do porte do Ceará, que possui 2,2% do PIB brasileiro, pode representar investimentos da ordem de R$ 18 bilhões ao longo dos próximos dez anos. Recursos que não podem ser oriundos do Tesouro, exigem parcerias privadas e uma gestão eficiente de uma empresa que conduza esses investimentos sem interferência política e com alta governança corporativa para suas decisões.

Um Terceiro Ponto, diz respeito à quantidade de Habitações precárias, considerando a alta densidade por cômodos de uma casa, falta de banheiro e de ligações de água e esgoto. Novamente, a pandemia revelou os problemas de aglomerações e distanciamento social. Na periferia de Fortaleza, por exemplo, possui uma centena de milhares de habitações nessas condições. Um programa dessa ordem, nesse caso, pode exigir recursos de pelo menos R$ 10 bilhões. Os recursos devem vir em parte do sistema financeiro para o financiamento à produção, e de investidores com interesse em retornos acima dos 3% ao ano ofertados pelos títulos públicos, e uma nova carteira de recebíveis em fundos imobiliários, com prestações que conseguiriam hoje ser abaixo dos aluguéis praticados, com um novo modelo de pagamento com juros trimestrais, respeitando a sazonalidade dos autônomos ou micro empresários individuais e amortizações “bullet”. Ou seja, ao final de um prazo determinado para o pagamento.

O Quarto Ponto é transversal aos dois anteriores. Seriam os investimentos no Reordenamento Urbano tendo em vista a universalização do Saneamento Básico e o Programa de Habitações. As pavimentações de ruas e calçamentos na periferia, concomitante ao Saneamento e novas Habitações, as sinalizações e a forma de integração do sistema de transporte público, considerando as densidades adequadas para corredores de atividades econômica sustentáveis.

Para termos um exemplo, conforme o Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza, concluído em 2013, os assentamentos precários cobrem uma área total construída de 39.941.014m², correspondentes a uma área de superfície de 33.951.965m², o que representa 32% (246.231) dos domicílios da cidade, distribuindo uma população estimada de 1.077.059 pessoas e 269.265 famílias (Plano Fortaleza 2040). Esta população é distribuída em pelo menos 843 assentamentos, dos quais 74% são favelas. Estas pessoas estão excluídas, vivem literalmente e geograficamente à margem da sociedade. O interesse político ressurge a sua existência em épocas de eleição. A integração e atualização das favelas à sociedade brasileira não é uma política assistencialista constitui-se em oferecer a liberdade para os reféns das condições sub-humanas. É de fato uma estratégia de desenvolvimento econômico, com redução das desigualdades via elevação das oportunidades.

E, um último ponto prioritário e focal, o Quinto, seria o Empreendedorismo vocacionado das regiões, em cinco pilares de cadeias produtivas alavancadoras de riqueza, com recursos naturais e tecnológicos abundantes e competitivos: sol, vento e mar, infraestrutura digital e infraestrutura intermodal. As cadeias produtivas sugeridas são as Energias Renováveis, a Matriz de Fontes, transporte e Usos da Água, a cadeia produtiva da Saúde – incluindo laboratórios e Pesquisa, a cadeia de Serviços Educacionais tradicionais e digitais e o Sistema de atendimento a Logística de distribuição e escoamento da produção.

O “Novo Normal” brasileiro, se bem aproveitado e vencida a sanha dos grupos de interesses por privilégios, pode ser um salto quântico para a economia e sociedade brasileiras, dependemos de uma Liderança Forte e de uma Gestão Eficiente e Disruptiva, que vislumbre as oportunidades que se aproximam diante de tantas dificuldades. É preciso entender que desenvolvimento econômico não é crescimento do PIB. É, na verdade, um processo de evolução institucional que, se bem conduzido, pode levar a uma metamorfose social, libertando milhões da pobreza não através da concessão de transferências de renda, e sim pela multiplicação de oportunidades de trabalho, educação, aprendizagem e desenvolvimento humano.

Foto do Jocélio Leal

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