Logo O POVO+
Facções criminosas: citar ou omitir?
Foto de Joelma Leal
clique para exibir bio do colunista

Joelma Leal assume como ombudsman do O POVO no mandato 2023/2024. É jornalista e especialista em Marketing. Atuou como editora-executiva de sete edições do Anuário do Ceará, esteve à frente da coluna Layout por 12 anos e foi responsável pela assessoria de comunicação do Grupo, durante 11 anos.

Joelma Leal ombudsman

Facções criminosas: citar ou omitir?

Em tempos em que atos simples podem detonar pertencimento a algum grupo, todo cuidado é pouco, inclusive a cobertura editorial ou o tom dado a determinados episódios
Tipo Análise
Ataques de facções se intensificaram 
em outubro e novembro 
 (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Ataques de facções se intensificaram em outubro e novembro

O POVO estreou uma série de reportagens especiais que detalha a atuação das facções no Estado. A primeira das matérias, "Facção Criminosa no Ceará: quais grupos atuam no Estado? Entenda", publicada no dia 13 de junho, descreve as principais organizações que agem em Fortaleza e no Ceará e recapitula a história da facção criminosa no Estado.

Já a segunda parte do material foi ao ar na última sexta-feira, 23, com o título "Facção criminosa no Ceará: como se organizam os grupos no Estado?". O POVO mostra como funcionam as hierarquias de facção criminosa em Fortaleza e no Ceará, descrevendo organogramas das organizações. Ambas são assinadas pelo jornalista Lucas Barbosa. "Nas próximas semanas, novas matérias sobre outras questões ligadas a esses grupos serão publicadas". Traz um informe no fim da página.

Agora vem o ponto que gostaria de ressaltar: em que medida dar visibilidade aos grupos do crime não glamouriza ou fortalece as facções? Não seria "dar palco" a bandido" e valorizar os envolvidos? Vale a discussão.

Ainda na década de 1980, o Grupo Globo orientou que os veículos da empresa não iriam citar os nomes das facções criminosas. A orientação não está presente nos "Princípios editorias do Grupo Globo" e é possível observar mais recentemente que alguns veículos até têm mencionado. E no O POVO? O tema não compõe a Carta de Princípios do O POVO.

Pois bem, o editor-executivo de Cidades, André Bloc, afirma que há algumas políticas a serem seguidas: "É uma linha tênue para se equilibrar entre o que é denúncia, o que é aprofundamento/contexto e o que é propaganda de organizações criminosas. Há anos usamos, pontualmente, os nomes das facções".

Bloc exemplifica que atualmente está havendo um avanço de uma facção sobre outra, logo a forma sobre como abordar o assunto tem sido discutido internamente. "Temos um material sobre essa nova facção, que preparamos com cuidado para apresentar um novo fator de opressão na vida dos cidadãos. Mas não temos como ser claros se tratamos o nome da organização criminosa como tabu. Qual a maior delicadeza? Dizer que um criminoso ganhou um território, quando o território é da população. É uma lógica de disputa e poder paralelo e não podemos fazer publicidade de grupos criminosos — até porque projetar terror é um dos objetivos delas. Nosso principal objetivo é mostrar, expor, os efeitos na sociedade. Expulsões, assassinatos, insegurança, apreensões de drogas, que noticiamos no dia a dia, e contextos, tamanhos, dimensões que trazemos. Não podemos, entretanto, negar realidades".

Acerca do material citado no início da coluna, Bloc afirma que tem um caráter educativo. "É baseada em pesquisa acadêmica e em investigações (principalmente da Delegacia de Combate às Ações Criminosas Organizadas - Draco). Expõe um contexto de violência recorrente, e funciona como documento histórico ao resgatar os primeiros momentos dessa esfera de extrema violência. É um investimento. Temos ainda material sobre a organização dos grupos, em que denunciamos algumas lideranças. Tudo com extenso material investigativo (linkamos publicações anteriores nossas). Tentamos ser vagos em relação a territórios ou qualquer ponto que pudesse denotar 'força' de facção. Não vamos fazer mapas, até porque é algo dinâmico (demos, entretanto, uma entrevista com um grupo de jovens periféricos que fazem esse monitoramento). Em resumo, buscamos contextualizar e dimensionar, evitamos dar publicidade para atos ilícitos", resume.

Guerra sem fim

Em 2020, O POVO lançou o documentário "Guerra Sem Fim", que mostra como funciona a disputa entre facções criminosas no Ceará. A segunda temporada foi ao ar um ano depois, em 2021. Um dos episódios é "GDE, como nasce uma facção". Para Demitri Túlio, um dos diretores da série, tais menções são irrelevantes. "Elas se empoderam com a falta de Estado (União, Estado e Município) nos territórios 'abandonados' ou pouco beneficiados com políticas públicas permanentes e discutidas com as populações atravessadas pela falta de justiça social e, consequentemente, tensão e violência no espaço onde tentam sobreviver com tantas faltas, inclusive a da paz social e coletiva".

Demitri cita a "regra" criada pelo Globo: "Foi uma norma particular criada pela Globo e que os outros veículos seguiram num efeito dominó. Sem discutir o assunto nem trazer pesquisas em torno disso. As polícias também meio que pediam isso: não citar as fações, mas não vi nenhuma pesquisa mostrando que a facção foi fortalecida porque foi citada pelos meios de comunicação".

Não raro, há notícias de mortes por ultrapassar limites territoriais definidos pelos criminosos. Há algumas semanas, O POVO publicou matéria sobre a entrega de moradias pelo Estado a moradores no bairro José Walter, em Fortaleza, ao lado uma coordenada, citando a necessidade de ações para garantir a segurança dos beneficiados...dias depois, mais notícias acerca de mortes de moradores, no mesmo local da entrega.

Em tempos em que atos simples como pintar o cabelo de vermelho, fazer dois riscos na sobrancelha ou agradecer uma ação, usando o dedo médio e o indicador, podem detonar pertencimento a algum grupo, todo cuidado é pouco, inclusive a cobertura editorial ou o tom dado a determinados episódios.

 

Foto do Joelma Leal

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?