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Deus abençoe o padre comunista
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

Deus abençoe o padre comunista

A democracia e o cristianismo garantem ao Padre Lino o direito a exortar crentes e não crentes ao cuidado com os desamparados. A propósito dos tristes episódios na Paróquia da Paz
Tipo Análise

Lino Allegri, um padre da Igreja Católica de oitenta e dois anos, precisou entrar no programa estadual de proteção aos defensores de direitos humanos do Ceará porque se tornou alvo de uma turba enraivecida, acostumada a orar com sangue nos olhos e armas nas mãos.

Esses fieis, muito vaidosos de seu comprometimento político com a negação da política, se sentiram ofendidos porque o padre, durante seu sermão na missa, afirmou o óbvio: o governo de Jair Bolsonaro é uma temeridade e viola o princípio cristão mais básico de respeito à vida.

Os agressores gritam que o padre é comunista. Para eles, esse dado já seria um bom motivo para que se tornasse alvo de violência: o púlpito não é lugar para posicionamentos críticos sobre o que não diz respeito ao mistério da fé. Se o padre tem suas convicções, que as guarde no fundo da consciência e as engula com o resto do vinho que embebe a hóstia da celebração.

Fiados nessa visão míope de prática religiosa, se sentiram no direito de violar a sacralidade da igreja para acossar um padre idoso, gritando, ameaçando, exercendo a mais patética manifestação de brutalidade.

O padre Lino corajosamente fez o que muitos líderes católicos já empreenderam antes dele. A defesa da doutrina social de uma igreja preocupada com os pobres, os desvalidos, os desamparados.

Não é outra a visão do papa, que escolheu o nome de Francisco por uma razão simbólica muito forte e que renunciou a todos os sinais ostensivos de riqueza ao se paramentar para apresentar-se pela primeira vez ao público.

O papa é também um comunista: acredita na justiça distributiva, no dever moral do serviço, na força da caridade como compromisso com o cuidado. Francisco, assim como o padre Lino, também poderia ser alvo daqueles baixos impropérios.

Não deixa de ser curioso que Lino Allegri tenha despertado tanto ódio graças à força de suas palavras. Na visão cristã de mundo, a Palavra é o alimento do espírito, que nos move em direção a um propósito moral que demarca não apenas a nossa vida, mas a relação que estabelecemos com as pessoas que estão ao nosso redor.

Ela é inspiração para ação, indicação de caminho e luz de esclarecimento - por tudo isso, diante da injustiça, um cristão não pode calar, porque é pela esperança que fomos salvos e é pelo verbo que ela se renova e se anuncia, numa bela lição de São Paulo relembrada por Bento XVI.

Na exortação apostólica Evangelii Gaudium, o papa Francisco reconhece que "a Palavra possui, em si mesma, uma tal potencialidade, que não a podemos prever. O Evangelho fala da semente que, uma vez lançada à terra, cresce por si mesma, inclusive quando o agricultor dorme. A Igreja deve aceitar esta liberdade incontrolável da Palavra, que é eficaz a seu modo e sob formas tão variadas que muitas vezes nos escapam, superando as nossas previsões e quebrando os nossos esquemas".

Padre Lino, antes de ser religioso, é uma liderança pública que tem um compromisso com sua moral e seus propósitos. Por isso, tem todo direito à palavra para exortar os crentes e os não crentes à esperança e ao cuidado dos desamparados. Assim pede uma democracia e também o cristianismo. n

 

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