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As vidas que perdemos para as águas
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

As vidas que perdemos para as águas

Tipo Opinião

A lembrança da imagem transmitida ao vivo pelo noticiário me acompanha a consciência há dias: em Petrópolis, um homem, em estado de desespero, tentava cavar um amontoado de barro e entulho que ocupava o espaço onde antes estava sua casa. Sozinho, abandonado em meio à destruição, ele soluçava: era preciso encontrar sua mulher, grávida, e os dois filhos, presos sob os escombros.

As cenas da angústia de familiares atordoados em busca de corpos e sobreviventes no desastre da região serrana do Rio não são menos dilacerantes que as imagens, também televisionadas, das tragédias que penalizaram a Bahia e Minas Gerais em dezembro e janeiro. Com o anúncio dos temporais, testemunhamos vidas serem perdidas para as águas, a natureza insistindo em impor novos volumes de precipitação, novos padrões de comportamento climático.

As declarações das autoridades foram semelhantes: choveu além do normal, muito acima do esperado, não seria possível prever a dimensão da tragédia a fim de evitá-la.

Afinal, estamos mesmo falando de fenômenos climáticos imprevisíveis? Já não deveríamos ter entendido a nova "normalidade"? Desde que assumimos o ônus de perder o equilíbrio ambiental para o fogo, todo evento climático extremo está contabilizado na conta do risco assumido - não é possível destruir uma floresta tropical sem receber em troca efeitos nefastos.

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na Amazônia Legal Brasileira aumentou 21,97% só no ano de 2021. A instituição Imazon, que também monitora a área, revela que o índice de desmatamento na floresta no ano passado foi o maior em dez anos.

Segundo o Inpe, o equivalente a 420 (!) campos de futebol foram desmatados por dia, em janeiro, na região amazônica. Nesse mesmo mês, o governo federal produziu normas para facilitar o garimpo na região, uma atividade que tem sido responsável pelo envenenamento da fauna e das populações tradicionais e ribeirinhas que dependem dos rios para sobreviver.

Os efeitos da devastação intencional na Amazônia não são sentidos de forma localizada e imediata: acontecem de forma difusa, em ciclos cada vez mais inconstantes, para mostrar à humanidade que esta casa - que é nossa - depende de uma harmonia muito sensível e preciosa para sobreviver.

A tragédia deixa lições: razões éticas e econômicas deveriam nos levar a uma postura mais respeitosa em relação ao meio ambiente. Trata-se de um imperativo ético porque cada vida guarda uma dimensão de dignidade e, por isso, deve ser protegida contra a ameaça da morte evitável. Um desastre humano provocado pela degradação ambiental viola nosso dever de zelo com o valor da vida do outro. Falhamos moralmente.

O dever de cuidado é também um imperativo econômico por ser burrice desperdiçar a riqueza. Já passou da hora de entendermos que uma natureza saudável rende mais benefícios do que um cenário de esgotamento. Não faz sentido torrar os recursos de que dependemos para subsistir e prosperar. A conta chega, sem aviso, em meio aos escombros. É amarga, brutal, injusta e deixa marcas que persistirão para além das piores lembranças que guardaremos deste governo. n

 

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