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Onde estão os patriotas?
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

Onde estão os patriotas?

Tipo Opinião

O Presidente da República em exercício gosta de definir a si como um verdadeiro patriota, defensor dos interesses nacionais e inspirado pelo ideal de sacrifício virtuoso propagandeado pelo Exército. O seu slogan eleitoral, "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", sintetiza com clareza essa base ideológica, que congrega conservadorismo arcaico nos costumes, nacionalismo de araque e defesa de uma economia desregulada (a não ser nos casos em que o preço dos combustíveis insiste em crescer e é preciso ameaçar a Petrobras).

Os patriotas no poder são seres atemorizados pela possibilidade permanente de ameaça à soberania. Vivem esbravejando contra potenciais invasores, conjurando fantasmas e criando artificialmente combates salvíficos. O detalhe a ser lembrado é que, para um bolsonarista, esses inimigos já estão aqui - e somos nós, gente como o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, ou os servidores de carreira que insistem em desempenhar seu serviço.

A apropriação do discurso nacionalista por uma ideologia de extrema direita provoca essa distorção, a ideia de que há, no interior do Brasil, brasileiros que são inimigos da pátria e devem ser eliminados. Uma vez no poder, essa ideia tem uma consequência perniciosa: ela captura e desmantela o Estado, trabalhando para subverter a máquina pública, a fim de que ela se transforme em verdadeira arma de guerra contra os seus cidadãos.

Um acontecimento trágico, de grande repercussão internacional, é a prova triste disso. Dois assassinatos de extrema gravidade, com teor político, aconteceram no Vale do Javari, na Amazônia. Um indigenista licenciado da Funai, Bruno Pereira, e um jornalista em expedição de trabalho, Dom Phillips, foram mortos pelo crime organizado porque o Estado, apesar de ciente das ameaças, optou pela pior forma de conivência criminosa: a omissão.

No desenho dessa história infeliz, podemos nos perguntar: quem, de todos os envolvidos nessa tragédia, são os verdadeiros patriotas? O indigenista que, por ter desarticulado uma quadrilha de exploração de garimpo no interior da terra indígena, foi afastado de seu posto de comando na Funai ou o Ministro da Justiça à época, ninguém menos do que Sergio Moro, que permitiu a inviabilização total das políticas públicas indispensáveis à proteção do território e das comunidades tradicionais contra o avanço do crime organizado?

Quem são os patriotas mais genuinamente comprometidos com a causa nacional? Os indígenas que, organizados, em reação à inércia do Estado, não descansaram até desvendar o paradeiro de seus companheiros de luta, conduzindo o trabalho de busca das Polícias, ou um Presidente da República que, no dia da descoberta dos corpos, recomendou aos brasileiros, no Twitter, que fossem ver o Tom Cruise no cinema, em cartaz com Top Gun?

Se por patriotismo entendermos o respeito à casa comum, o senso de proteção ao território contra os invasores, a preservação dos valores da vida e da comunidade, então devemos concluir que nossos melhores e mais inspiradores patriotas estão do lado de lá do bolsonarismo, sendo mortos e perseguidos por defenderem, por moral e princípio, a lei e a ordem. n

 

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